Por Afranio Silva Jardim, professor de Direito da Uerj –
Número de processo: 0020745-51.2018.5.04.0028 –
A presente ação é proposta pelo ….. do Estado do Rio Grande do Sul em desfavor do Colégio …, cujo pedido liminar de tutela antecipada é a obtenção de ordem judicial no sentido de impedir que a escola de instalar ou que proceda à retirada de câmeras de vídeo de suas instalações sob a alegação de ofensa à privacidade e intimidade de professores e alunos, além de referir ao abuso do poder diretivo do empregador.
Analiso.
Pelo contexto apresentado e documentos trazidos com a inicial (ID. 81caf70), fica evidente que a reclamada exacerba o seu poder diretivo ferindo a privacidade e a intimidade de professores e alunos, violando a Constituição Federal (art. 5º, inc. X), dispositivos da CLT (art. 483, “b”), do Código Civil (art. 20) e do ECA (arts. 17, 18 e 232).
A vigilância do trabalho por câmeras de segurança em sala de aula não encontra qualquer fundamento válido ou justificável devendo ser considerada, de plano, inconstitucional e ilegal por se tratar de medida desarrazoada a ser tomada pelo empregador.
A violação aos direitos fundamentais é evidente e merece ser reprimida em nome da proteção dos indivíduos afetados (trabalhadores, crianças e adolescentes).
Pelo contexto que ora se apresenta, somos levados a lembrar da ficção literária de George Orwell, na obra “1984”, onde todos são vigiados e fiscalizados pelo “Grande Irmão”, onde os indivíduos não dispõem de nenhuma liberdade de fato, pois nesta distopia a sociedade é fiscalizada preventivamente não tendo qualquer direito ao livre pensamento.
Em famosa passagem do livro, Orwell se refere à ideia de liberdade: “Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir” (Referência:https://citacoes.in/autores/george-orwell/). A citação da obra se encaixa perfeitamente no contexto da lide no que tange à pretensão do reclamado de instalar uma vigilância constante sobre professores e alunos, negando direitos fundamentais e também a própria liberdade de cátedra e de pensamento.
Essa fiscalização preventiva pode criar precedentes que conduzam a situações de possível censura e provável abuso de poder patronal gerando demissões injustas e baseadas em critérios puramente subjetivos.
Considerando a gravidade das violações narradas e comprovadas pelo Sindicato-autor, entendo presentes os requisitos legais para conceder in limine a tutela antecipada pretendida (ID. dad4f80 – Pág. 13), nos termos dos artigos 300 e seguintes do CPC 2015, de modo a determinar que o Colégio…….. se abstenha de instalar câmeras de vídeos em suas instalações internas (inclusive salas de aula) e/ou de retirar os equipamentos acaso já os tenha instalado, sob pena de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia de descumprimento desta ordem judicial, a ser revertido em favor do Sindicato-autor.
Face ao exposto, DECIDO:
a) Intime-se o Colégio ………….,através de Oficial de Justiça do inteiro teor deste despacho com a determinação judicial de se abster de instalar câmeras de vídeos em suas instalações internas e/ou de retirar os equipamentos acaso já instalados, sob pena de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia de descumprimento, a ser revertido em favor do Sindicato-autor, o que deverá ser cumprido no prazo de 48h a partir do recebimento desta ordem judicial, sem prejuízo de configurar o crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal);
b) De igual forma, intime-se o Colégio …….. para que apresente em juízo (na Secretaria desta unidade judiciária) todas as imagens captadas acaso já instaladas as câmeras de vigilância em salas de aula ou instalações internas no prazo de 48h, sob pena de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia de descumprimento, a ser revertido em favor do Sindicato-autor, sem prejuízo de configurar o crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal);
c) Oficie-se o Ministério Público Estadual pela suposta prática, in thesi, de infração administrativa contra a privacidade e a imagem de crianças e adolescentes em ofensa aos artigos 17, 18 e 232 do ECA, para as providências que entender cabíveis;
d) Inclua-se o feito em pauta de audiências iniciais, no dia 10/09/2018, às 13h50min, oportunidade em que o reclamado poderá apresentar defesa e exercer o pleno contraditório;
e) Intime-se as partes desta decisão.
Nada mais. Cumpra-se, com urgência.
PORTO ALEGRE, 16 de Agosto de 2018.