Justiça está terceirizada

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Afrânio Silva Jardim, Facebook –  

A verdade é que tudo não passa de um “faz de conta”. A verdade é que tudo não passa de uma grande mentira. A nossa justiça está “terceirizada”.

O dramático disto tudo é que o exemplo vem de cima, dos Tribunais, inclusive dos superiores. Todos sabem que muitos (senão a maioria) dos votos dos órgãos colegiados são elaborados pelos assessores.




O pior é que realizam julgamentos de vários processos em conjunto. Chamam julgamento por ” listas” … “Julgam” dezenas de recursos em menos de vinte segundos …Talvez por isso, poucos querem se aposentar e, em parte, fingem que trabalham até os 75 anos.

Em órgãos jurisdicionais colegiados, alguns magistrados “pedem vista dos autos”, com a maioria de votos já formada, e “fingem” não ter prazo para retomar o julgamento. Na prática, retardam a proclamação do resultado do julgamento com o qual não concordam ou julgam inoportuno.

No primeiro grau, é o mesmo “faz de conta”. Os estagiários, secretários ou assessores do Ministério Público elaboram muitas de suas peças processuais, o mesmo ocorrendo no âmbito das Defensorias Públicas.

Ademais, talvez a maioria das sentenças seja redigida pelos secretários ou assessores dos juízes de direito, tudo se repetindo no segundo grau de jurisdição.

Agora, com os chamados ” julgamentos virtuais”, tudo isto sairá do controle (se é que existia…). Em outras palavras, ” liberou geral”.

Não é por outro motivo que estes “operadores do Direito” encontram tempo para viajar e dar palestras, inclusive no estrangeiro. Escrevem textos jurídicos e livros de Direito, embora nem sempre de muita qualidade.

Fingimos tudo isso há muito tempo. Os Delegados de Polícia fingem que presidem os inquéritos policiais e que presidem a lavratura de todos os autos de prisão em flagrante. Juízes e membros do Ministério Público fingem que não sabem.

Em alguns juízos, os membros do Ministério Público e/ou os Defensores Públicos assinam os atos processuais sem que estejam presentes quando da realização dos mesmos. Em alguns juizados especiais, a “bagunça” já se encontra institucionalizada há muito tempo.

Casos há em que se procura, nos corredores do forum, algum advogado apenas para estar figurando como defensor técnico de algum réu. Sem conhecer o processo, este advogado nada faz de eficaz, apenas legitimando mais uma farsa … É tudo um “faz de conta”.

Fingimos que fazemos o que efetivamente não fazemos e fingimos que não sabemos que os outros também fingem …

Muitos agentes políticos e funcionários público fingem não saber que viola a Constituição Federal receber remuneração acima do “teto” previsto, de forma bastante clara, na Constituição Federal. Fingem ser eticamente sustentável as formas “engenhosas” para contornar o referido impedimento.

Outros fingem que não está escrito, expressamente no Código de Processo Penal, a exigência de desatendimento à prévia intimação regular para justificar uma condução coercitiva. Eles fazem de conta que o direito ao silêncio, assegurado na referida Constituição de República, não impede a condução coercitiva dos investigados e réus para os seus facultativos interrogatórios!

Dizem que, se não for assim, a “Justiça” não funciona … É o chamado “jeitinho brasileiro”. Falam em impunidade, com os presídios superlotados… Se a polícia cumprisse 10% dos mandados de prisão já expedidos, seriam um verdadeiro caos em nosso país …

Talvez tudo isso seja resultante mesmo de uma certa dose de cinismo … Seria melhor que todos se unissem e se rebelassem contra este “faz de conta”, denunciando estas mazelas à sociedade. Aqui estou dando a minha modesta e isolada contribuição.

Nada disso é compatível com uma sociedade democrática. Nada disso é compatível com o chamado Estado de Direito.

A grande imprensa também finge que este “estado de coisas inconstitucional” não existe. A “cumplicidade” é a regra. O cinismo e a hipocrisia já não são mais exceções …

Acho também que a culpa destas “distorções” é de uma lei que ninguém consegue revogar, qual seja, A LEI DO MENOR ESFORÇO …

Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual Penal (Uerj).

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