Decisão judicial intensifica disputa territorial em Mata de São João, expondo conflitos entre quilombolas, fazendeiros e moradores locais.
Por Keila Abreu, Bahia Notícias, compartilhado de Mais Região
Uma recente decisão da Justiça trouxe novos desdobramentos na disputa territorial na Mata de São João, na Linha Verde, litoral norte da Bahia. A decisão determina a suspensão do processo administrativo conduzido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para demarcação do território em benefício da Associação dos Remanescentes do Quilombo Riacho Santo Antônio — Jitaí.
Questionado pelo Bahia Notícias parceiro do Mais Região, o Incra confirmou que, devido à decisão judicial, o processo de regularização fundiária segue suspenso parcialmente até que tenha novas atualizações.
“A comunidade quilombola Santo Antônio de Jitaí, em Mata de São João, possui processo de regularização fundiária aberto junto ao Incra. No entanto, os trabalhos de regularização fundiária foram suspensos devido à decisão judicial de 10 de outubro de 2024, sob pena de multa diária a ser aplicada a esta instituição”, confirma o órgão.
A região vive um cenário complexo de disputa territorial, com uma forte dependência turística como motor econômico para muitos moradores. Próxima à comunidade que busca o título garantido de propriedade quilombola, há uma extensa fazenda que cerca a região, em confronto direto com uma área privada.
“Nesse contexto, embora a FCP tenha emitido uma certidão de autodefinição como remanescente de quilombo em favor da Comunidade Riacho Santo Antônio – Jitaí, este ato administrativo pode ser invalidado, desde que os demandantes comprovem os atos constitutivos do seu direito”, revela a decisão.
Contudo, longe do conflito direto entre os moradores autodeclarados quilombolas e o senhor Paulo Roberto, proprietário de terras na região, fica uma vila próxima à costa chamada de Vila do Santo Antônio, que alega que os grupo da Associação Jitaí não tem validade.
ENTENDA O CASO
Os moradores das terras chamadas de Riacho do Santo Antonio vivem como uma comunidade simples com algumas famílias, os líderes desse grupo se autodeclararam um quilombo, sendo reconhecido pela Fundação Palmares (FCP) ainda em 2022. Esse grupo de moradores vivem representados pela Associação Jitaí.
Desde 2009, a região e as terras que rodeiam a comunidade são palco de conflitos diretos com o fazendeiro Paulo Roberto Souza. Ao Bahia Notícias, o grupo autodeclarado quilombola alega que esse fazendeiro deseja a expulsão e alegam receber ameças e retaliações do fazendeiro.
“Essa área é herança de minha avó. Somos quilombolas. Nós estamos aqui há muitos anos, mais de 100 anos, trabalhando, cuidando dos coqueiros. Nós temos provas disso. E agora eles querem tomar nossas terras da gente”, afirmou o morador Valmir de Oliveira na ocasião da disputa.
Ainda em 2009 a disputa foi levada aos tribunais com uma intensa troca de acusações. O fazendeiro alega que membros do grupo desmataram uma área próxima, e as lideranças e moradores do quilombo afirmam receber ameaças inclusive de agentes do estado como a polícia, como revelou o portal The Intercept.
A menos de 4 km do conflito tem a Vila Santo Antônio, embora pouco conhecida, é cercada por destinos turísticos populares. Os moradores locais alegam que a reivindicação de território quilombola é uma tentativa fraudulenta de uma família que, ao longo da vida, teve pouco ou nenhum vínculo com a cultura e as tradições quilombolas.
“Não temos lado. Defendemos a causa quilombola, sabemos que é uma causa nobre. Uma reparação de um erro histórico. Não estamos nem do lado deles nem do lado do fazendeiro, queremos viver em paz”, explica a direção da a organização civil da Associação de Moradores de Vila Santo Antônio.
O curioso é que o Bahia Notícias procurou todos os citados ao longo da apuração e, como revelam os diretores da Amavi, os moradores têm uma relação próxima e até mesmo familiar com o grupo autodeclarado quilombola. Contudo a Vila de Santo Antônio já chegou a fazer manifestação como não quilombola.
Para Tomaz Batista, um pescador e proprietário de um restaurante local, a revindicação seria uma mentira. A questão é que o grupo não seria quilombola, Tomas afirma que a história de sua família não tem nenhuma ligação com quilombos.
“Minha irmã não era quilombola, meu pai não era quilombola, eles não são filhos de quilombolas. Como agora eles se naturalizaram quilombolas? Essa região nunca foi quilombo e ninguém aqui pensava, nem falava de quilombo antes de começarem com essa história”, relata Batista, de 72 anos, que viveu toda sua vida na vila.
A liderança do grupo autodeclarado, apesar de não ter nascido nem crescido no local, reivindica a certificação quilombola da área muito maior da região. Como o líder Valmir Oliveira, que a maioria de sua vida em Candeias, na região metropolitana de Salvador, ocuparam uma pequena área de terras denominada Sítio Santo Antônio após a morte de dois tios.
Para o presidente da Associação de Moradores de Vila Santo Antônio (Amavi) Jeferson Dias, o grupo seria um “falso quilombo” e estariam usando os moradores da Vila de maneira inapropriada no pedido para o Incra.
Ao Bahia Notícias parceiro do Mais Região, os moradores da Vila do Santo Antônio alegam que o grupo foi a Vila pedindo histórias da região a moradores mais velhos alegando serem quilombolas, bem como ter tirado fotos deles sem consentimento.
“O Valmir escolheu algumas pessoas, eles apontaram com quem falar. E não a maioria das pessoas, posso te apontar vários moradores que não se identificam como quilombolas. Nossa briga é com um falso quilombo, que usa uma causa nobre, criando mais problemas na região”, conta o presidente Jeferson Dias.