Katahirine: cineastas formam primeira rede de mulheres indígenas do audiovisual brasileiro

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Katahirine é uma palavra da etnia Manchineri que significa constelação; coletivo nacional nasce com a união de 71 mulheres de 32 etnias

Por Ana Carolina Aguiar , compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Há 14 anos, o Instituto Catitu promove formação audiovisual em comunidades indígenas. Foto: Reprodução/Facebook

Com a intenção de aumentar a visibilidade das produções indígenas feitas a partir da perspectiva feminina no cinema brasileiro, surge a Katahirine, a primeira rede de mulheres indígenas que se dedicam a produções audiovisuais. O lançamento do coletivo ocorre neste sábado (29), às 19h, em uma live no canal do Instituto Catitu no Youtube, com participação da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. 

Como primeira iniciativa para essa visibilidade, o site funcionará como uma plataforma onde cada cineasta terá uma página com seu perfil, biografia e suas produções. A longo prazo, o coletivo pretende promover encontros entre as realizadoras de todo o país e organizar mostras. A Katahirine busca também viabilizar o desenvolvimento de estratégias de fortalecimento do audiovisual indígena e o fomento de políticas públicas para o cinema indígena feito por mulheres. h

Katahirine é uma palavra da etnia Manchineri que significa constelação. Katahirine é a conexão plural de mulheres diversas que se apoiam e promovem a participação feminina indígena no audiovisual brasileiro. O coletivo nasce com a união de 71 mulheres de 32 etnias que atuam nas áreas do audiovisual e comunicação. Dessa constelação, participam mulheres de todos os biomas, de diferentes regiões e povos.

A rede vem muito nesse sentido de impulsionar essas mulheres para que elas tenham oportunidade de falar de suas criações, produzir e pensar nas narrativas. Não que elas vão produzir só com mulheres, mas ajudá-las a desenvolver a própria consciência do seu processo criativo

Graciela GuaraniCineasta e roteirista

Entre elas, está Graciela Guarani, da etnia Guarani Kaiowá, com uma trajetória expressiva no cinema. A cineasta é uma das diretoras do projeto Falas da Terra da TV Globo, da série Cidade Invisível da Netflix e, neste ano, lança seu longa-metragem Horizonte Colorido. Graci também faz parte do Conselho Curador da rede – que possui a missão de garantir a participação indígena nas tomadas de decisão, promover articulações para incidência em políticas públicas, elaborar e propor às demais os critérios da curadoria das cineastas e das obras.

A convite de Mari Corrêa, fundadora do Instituto Catitu, Graci foi chamada para integrar o coletivo como parte do conselho. Apesar do projeto estar no começo e ser tudo novo, para a cineasta, essa iniciativa possibilita esboçar estatisticamente a existência das mulheres indígenas como mentes criativas. “A gente não existe enquanto realizadoras e nem em domínio em canto nenhum. A produção indígena em si mesmo. Então, fazer esse mapeamento é uma das demandas da rede”, conta.

Para Graci, o mapeamento dessas mulheres é um dos esforços da Katahirine em mostrar a existência delas como um primeiro passo. Mesmo com a falta de oportunidades para pessoas indígenas, no geral, em relação ao cinema brasileiro, a cineasta pontua como a rede também surge para diminuir o apagamento das mulheres indígenas dentro do machismo estrutural da sociedade. “A rede vem muito nesse sentido de impulsionar essas mulheres para que elas tenham oportunidade de falar de suas criações, produzir e pensar nas narrativas. Não que elas vão produzir só com mulheres, mas ajudá-las a desenvolver a própria consciência do seu processo criativo”, afirma. 

A ideia é dar a oportunidade dessas mulheres construírem suas próprias narrativas e projetos. De acordo com a cineasta, há uma defasagem no acesso às etapas de uma produção audiovisual, então é necessário que essas mulheres também tenham esse conhecimento. “Não é só pegar uma câmera e ir lá, tem várias questões e linhas que muitas vezes não chegam até essas mulheres. Pode ser que elas não queiram adentrar também, mas é importante que conheçam”, considera.

Engajado com a inserção de pessoas indígenas nas produções cinematográficas brasileiras, o Instituto Catitu trabalha há catorze anos proporcionando formação em audiovisual nas comunidades. A cineasta Mari Corrêa, fundadora e diretora do instituto, desde 1992 faz seu trabalho audiovisual com as comunidades da Terra Indígena Xingu, localizada no estado do Mato Grosso. 

Ao longo desses trinta anos de trabalho, Mari notou a dificuldade de trazer mulheres indígenas para esse campo do audiovisual. “Se o cinema indígena em si já ocupa tão pouco espaço, o lugar das mulheres dentro desse cinema era ínfimo. Elas participavam pouco dessa área de criação”, afirma. No entanto, com o avanço da presença feminina nas mobilizações do movimento indígena e a reivindicação das mulheres por mais voz em tomadas de decisões dentro das comunidades, Mari enxerga o audiovisual adentrando nesse mundo de transformações. 

A Katahirine nasce com a união de 71 mulheres indígenas de 32 etnias. Foto: Reprodução/Facebook
A Katahirine nasce com a união de 71 mulheres indígenas de 32 etnias. Foto: Reprodução/Facebook

A partir desse contexto e da vontade de maior inserção de mulheres na área, nasceu a história da Katahirine. “Eram muito dispersas as mulheres que estavam fazendo seus filmes e suas produções, então a gente pensou numa forma de dar visibilidade a essas produções femininas. Assim, nasceu a rede com a vontade de construir um espaço de articulação para que juntas elas pudessem formar uma força”, conta. Com esse objetivo, Mari inscreveu vários projetos pelo Instituto Catitu e conseguiu o apoio de duas organizações para começar esse trabalho.

Para a cineasta, é um pontapé inicial. Mesmo tendo nascido dentro do instituto, com a capacidade financeira do processo começar, a ideia é que o projeto se torne autônomo ao longo do tempo. “Por isso a gente criou esse conselho, para que isso se torne uma rede genuinamente indígena com as suas aliadas não-indígenas, mas que elas estejam desde o início no comando”, esclarece. A cineasta ainda reflete sobre a dificuldade do acesso das pessoas indígenas ao fomento e a Katahirine vem para pleitear essas políticas públicas.  “Tudo é muito burocratizado e, para as pessoas indígenas, é muito difícil concorrer em pé de igualdade com outras produções não-indígenas”.

Para Mari, as mulheres indígenas precisam estar na centralidade das narrativas audiovisuais por trazerem diversas e múltiplas vozes. Durante o seu trabalho na terra do Xingu, por muito tempo a formação audiovisual era predominantemente masculina e as mulheres alegavam não ter tempo ou não saber, mas, quando ela começou a trabalhar com as mulheres em rodas de conversas e formação, ela se deparou com demandas próprias delas. “Você adentrar o universo feminino é outra coisa do que olhá-lo de fora. Comecei a ouvir delas questões como, por exemplo, violência doméstica. É um universo que você só toma conhecimento do que acontece por meio delas quando adentra. São elas que sabem delas”.

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