Por Mariana Ghirello, para Carta Capital –
Projeto Wikipraça, que ocorre semanalmente no centro de São Paulo, retoma vocação do espaço urbano para o debate e a convivência de forma democrática
Na última quarta-feira, 19, o Largo do Arouche, na região central de São Paulo, foi palco de um intenso debate sobre os resultados das manifestações de junho do ano passado. Entre os debatedores, estavam ativistas de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Porto Alegre e Santiago (Chile). Mas nem todos tiveram de vir até a capital paulista para o encontro: um telão montado na praça exibia as discussões e conectava quem passava por ali para participar também.
A iniciativa era parte do projeto Wikipraça, que visa elaborar processos de criação coletiva no espaço público para construção de conhecimento numa iniciativa da rede Futura Media e da Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo.
O coordenador do projeto Gustavo Seraphim conta que as conversas que deram início à ideia começaram em 2012, e foram influenciadas por uma tendência mundial do uso negociado dos espaços públicos. “As cidades estão virando mundos, são complexas e compreendem uma diversidade gigantesca. Cada vez mais, temos que ocupar e negociar o mesmo espaço, e precisamos refletir sobre como fazer isso de uma maneira boa”, afirma.
Os encontros com bate-papos, aulas públicas, oficinas e intervenções propostos pelo Wikipraça pretendem criar metodologias que possam ser replicadas em qualquer cidade ou comunidade, para transformar os espaços em lugares de convivência e abrir canais de negociação de forma ampla e democrática.
É o que aconteceu com o bancário Cesar Iwikawa, que, na última, se inspirou para levar a iniciativa para a cidade para a qual está se mudando. “É importante ouvir as pessoas, as discussões existem justamente para isso, para chegarmos a um ponto em comum ou um acordo onde todos ganhem”, destaca.
O projeto, iniciado em agosto, é aberto a todos os interessados que possam participar das discussões de qualquer lugar do mundo, uma vez que ele usa plataformas digitais, conforme explica Bernardo Gutiérrez, fundador da Futura Media. “Todas as quartas, fazemos um encontro na praça e conectamos pessoas de outras cidades através de ferramentas como o Hangout para dialogar.” Tudo fica registrado e aberto para ser acessado posteriormente.
Mesmo que não seja novidade a ocupação de espaços públicos com intervenções artísticas e arte em suas diversas formas, o Wikipraça nasce com uma proposta mais ampla. Entre as atividades passadas, foi feito um mapa afetivo do Largo do Arouche, inúmeros debates sobre temas relacionados à cidade e o uso dela, e muitos processos de escuta da opinião de quem usa a praça com frequência.
A iniciativa é positiva segundo a advogada Silvia Daskal, colaboradora do projeto e representante o Advogados Ativistas. “As ruas são feitas para dançar, protestar, debater, porque só assim a gente consegue conviver com a diversidade de uma maneira saudável, não trancado dentro do apartamento.”
“O Largo do Arouxe tem um público muito eclético desde seu início”, conta o engenheiro agrônomo Marcos Alexandre. Ele, que já é a terceira geração de sua família no comércio de flores no local, afirma que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outros políticos, artistas e os moradores da região também visitam a praça.
Hélcio Beuclair, morador da região e colaborador do Wikipraça, também afirma que o largo é um dos lugares mais livres da cidade. “É um espaço público democrático, onde as pessoas transitam independentemente da orientação sexual, com crianças, idosos e outros públicos. Não existem regras de comportamento”, reforça.
De acordo com Ciralva Pereira, que mora na região há 53 anos, o único problema atual do espaço é a falta de policiamento. Segundo ela, depois que a viatura da GCM (Guarda Civil Metropolitana) deixou o Largo, assaltos voltaram a acontecer, mesmo com uma base da Polícia Militar permanentemente no local.
A forma como cada frequentador usa o Largo do Arouche também é tema do Wikipraça. Gustavo Seraphim destaca que um dos trabalhos mais importantes é o de escutar a opinião e os desejos de cada frequentador. “É o direito de construir a cidade a partir do que a gente deseja de fato, mas isso é um processo bem complexo, porque precisa repensar o tipo de vida que a gente quer.”