Acordo de cooperação internacional com a Suíça só foi formalizado um ano após troca de informações sensíveis A força-tarefa da Lava Jato, sob a liderança de Deltan Dallagnol e com o endosso do então juiz Sergio Moro, está agora sob escrutínio por práticas que se assemelham a espionagem industrial contra a Odebrecht, uma das principais […]
Por Miguel do Rosário, compartilhado de O Cafezinho
Acordo de cooperação internacional com a Suíça só foi formalizado um ano após troca de informações sensíveis
A força-tarefa da Lava Jato, sob a liderança de Deltan Dallagnol e com o endosso do então juiz Sergio Moro, está agora sob escrutínio por práticas que se assemelham a espionagem industrial contra a Odebrecht, uma das principais empresas de engenharia do Brasil. A equipe de procuradores justificava a troca de informações e provas com autoridades suíças alegando a existência de um acordo de cooperação internacional entre o Brasil e a Suíça. No entanto, esse acordo só foi oficializado um ano depois que as trocas de informações estratégicas já haviam acontecido.
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anulou recentemente provas obtidas por meio do acordo de leniência da Odebrecht. Uma das razões para essa ação foi a troca irregular de informações com autoridades estrangeiras, conforme evidenciado por documentos do Ministério da Justiça.
Em uma tentativa desesperada de salvar sua própria cara (pois foi uma das entidades que bancou a Lava Jato do início ao fim), a Associação Nacional dos Procuradores da República enviou um documento no último dia 12 de setembro de 2023, apontando para um registro formal do acordo de cooperação internacional. No entanto, esse registro só confirma que o acordo de leniência com a Odebrecht estava em vigor desde 1º de dezembro de 2016, contendo informações obtidas ilegalmente pela Lava Jato junto às autoridades suíças.
O detalhe crucial, destacado hoje pela jornalista Daniela Lima, da Globonews, é que o acordo de cooperação internacional apenas foi formalizado em 2 de outubro de 2017, um ano depois da Lava Jato ter conseguido eviscerar a Odebrecht, empurrando a empresa para um acordo de leniência que significava, na prática, a destruição do mais poderoso grupo de engenharia do país.
Repetindo: no momento em que as trocas de informações e provas ocorreram, não havia um acordo de cooperação internacional formal entre o Brasil e a Suíça. A Lava Jato, mais uma vez, agiu fora da lei, e como sempre contra o interesse nacional.
A prática dos procuradores pode ser taxada de espionagem industrial, porque o Brasil não apenas recebeu informações sensíveis da Odebrech no exterior. A Lava Jato também ofereceu, sempre ilegalmente, dados sensíveis de uma empresa nacional, obtidos via quebra sistemática de sigilos, a um governo estrangeiro, que tem naturalmente seus próprios interesses econômicos, industriais e políticos, muitos deles em conflito com os interesses do Brasil. A Suíça também tem suas empreiteiras, por exemplo.
A Lava Jato mais uma vez traiu o país. Os procuradores pareciam não dar muita bola para o fato de que seus gordos salários de servidor público, suas inumeráveis regalias, eram todas pagas pelo erário, pelo contribuinte, pelos impostos e pelas empresas, em suma, pela produção nacional, essa mesma produção que eles se empenhavam freneticamente em prejudicar e destruir.
Importante lembrar que a Lava Jato tinha feito exatamente a mesma coisa, com consequências ainda mais drásticas para as empresas brasileiras, com autoridades norte-americanas. Enviou e recebeu, ilegalmente, informações estratégicas, secretas, sensíveis, do setor produtivo nacional, para o governo americano. O resultado foi imediato e devastador: o governo americano, através de seu judiciário, que nos EUA é totalmente vinculado ao Executivo (lá não há concurso: o presidente da república nomeia todos os juízes federais do país), impôs as maiores multas da história do capitalismo americano aos grupos brasileiros. Foram dezenas de bilhões de reais arrancados da Petrobrás e da Odebrecht, para não falar de outras empresas.
No caso dos Estados Unidos, os interesses se colidiam frontalmente com o Brasil, pois a Odebrecht era dona da maior refinaria privada brasileira, a Braskem, concorrendo diretamente com o poderoso setor de refino de petróleo norte-americano, para não falar do setor de construção e engenharia civil, onde também a Odebrecht concorria diretamente com empresas de lá.
A defesa do ex-presidente Lula apresentou ao Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 2021, diálogos dos membros do Ministério Público Federal do Paraná que indicam uma troca de informações absolutamente ilegal com autoridades norte-americanas, feita de forma informal e fora dos canais oficiais.
Deltan Dallagnol, o procurador à frente da operação, demonstrava impaciência com os procedimentos formais de cooperação. A autoridade central para essa cooperação é o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação (DRCI), ligado ao Ministério da Justiça, que sempre foi alijado do processo.
As conversas datam de 1º de dezembro de 2015 e envolvem discussões entre o MPF e autoridades norte-americanas sobre investigações relacionadas à Petrobras. Procuradores dos EUA até viajaram a Curitiba para se encontrar com advogados de colaboradores, com o objetivo de ouvi-los em investigações em andamento nos Estados Unidos.
“Nós estamos com pressa, porque o DOJ [Departamento de Justiça dos EUA] já veio e teve encontro formal com os advogados dos colaboradores, e a partir daí os advogados vão resolver a situação dos clientes lá… Isso atende o que os americanos precisam e não dependerão mais de nós. A partir daí perderemos força para negociar divisão do dinheiro que recuperarem. Daí nossa pressa”, afirmou Dallagnol em um grupo de conversa. O objetivo era acumular “créditos” para que a “lava jato” pudesse criar um fundo bilionário.
Vladimir Aras, que na época era responsável pela cooperação internacional na Procuradoria-Geral da República, expressou desconforto com a estratégia de Dallagnol de agir diretamente com as autoridades dos EUA.
A cooperação informal não se limitava aos EUA. Em outra conversa, Dallagnol revelou que estava recebendo informações de Mônaco diretamente por e-mail. “Estou recebendo informações de Mônaco diretamente por email e foi autorizado o uso oficial…”, disse ele. Aras novamente expressou preocupação, ao que Dallagnol respondeu: “Concordo. Não usaria para prova em denúncia, regra geral. Vamos usar para cautelar. Se cair, chega pelo canal oficial e pedimos de novo”.
Aras questionou a prudência dessa abordagem, sugerindo que seria mais seguro aguardar as informações pelos canais oficiais.
Deveriam ter ouvido mais o Aras… Agora tudo isso está sendo investigado como um grave crime, cometido pelos procuradores da Lava Jato, contra o processo penal, contra empresas brasileiras, contra o próprio interesse nacional.
E isso para não lembrar da notícia abaixo, de Jamil Chade e Leandro Demori, que veio à público em julho deste ano.