Luis Felipe Miguel, em Esquerda Caviar –
Eis que Leandro Karnal posta uma foto tomando um vinho com o “amigo juiz Sérgio Moro”, a quem classifica de “gente inteligente”. Conclui: “Discutimos possibilidades de projetos em comum”.
Não há como justificar. Adaptando algo que disse Lolitchen Csrez, é como se, em pleno regime militar, um conhecido intelectual “de esquerda” confraternizasse com o delegado Fleury. Tá bom, são circunstâncias bem diferentes, Moro (até onde sabemos) não está arrancando as unhas de ninguém. Mas, num caso como no outro, são operadores principais e símbolos de escaladas repressivas, com a restrição a direitos e liberdades a quem fica do lado “errado” de uma divisão ideológica e política.
Não foi um evento público, em que imperam regras de civilidade e eventualmente os conflitos podem ser disfarçados. Foi um convescote íntimo. E Karnal, que não dá ponto sem nó e gerencia sua persona pública de forma milimétrica, fez questão de fazer a tal postagem elogiosa.
Creio que se confirma, da pior forma possível, o que eu pensava de Karnal: “gente inteligente”, sem dúvida, mas com muito mais ego do que convicções e um senso de oportunidade alerta demais. As simplificações que ele apresenta podem até ser úteis, em determinadas circunstâncias; seria elitismo recusá-las liminarmente. Mas a postura de guru, essa não tem justificação. Também me incomoda o teatrinho que ele faz com Pondé, “careca de esquerda” versus “careca de direita”, sob medida para um programa de exposição midiática. Assim como desgosto da quantidade de platitudes que ele desfia – “só o amor constrói”, “devemos sempre ler os clássicos” etc. etc. – como se fossem sacações geniais e não lugares-comuns tingidos de conservadorismo. Em suma, Karnal é uma grande estrela, mas está longe de ser um intelectual.
O que ele quer, com a jogada de ontem à noite? Sim, ele sabia quais reações iria causar e está apostando em alguma saída vantajosa. Uma possibilidade é que ele planeje transitar para uma posição de quem está acima das brigas, acima do fla-flu. Que, sabemos, só é fla-flu para quem quer fingir que está acima dele, pois não é uma disputa de torcidas, mas a disputa entre golpe e democracia. Em suma, Karnal estaria jogando suas fichas em virar a Marina Silva da midio-intelectualidade. Acho que não daria certo, como não deu certo para Marina.
A outra possibilidade é que Karnal sinta que chegou a hora de virar a casaca. De que ele tem o passe valorizado o suficiente para ser recebido com honras nas hostes da direita. Acho que aí ele também vai quebrar a cara. A concorrência pelo posto de farol da direita brasileira é bem maior. O discurso que Karnal tem a oferecer – o de porta-voz adocicado dos valores civilizatórios – não comove esse público. Se ele se dispuser a adaptá-lo ao gosto da audiência, terá que disputá-la com competidores já bem estabelecidos, como Olavão, Constantino, Lobão, Magnoli, Sheherazade, os Alexandres Frota e Garcia, seu amigo Pondé e outros pensadores similares. Enfrentará a desconfiança dirigida aos recém-convertidos, passará um tempo meio que no limbo. Duvido que ele se disponha a isso.
Meu palpite? Karnal voltará para o nosso lado, com seus sorriso cativante, algumas justificativas bem boladas e a confiança na memória curta das pessoas. E nós o receberemos de novo, claro, só que – espero – com muitas pulgas atrás das orelhas.