Lembranças que persistem

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Por Léa Maria Aarão Reis, compartilhado de Carta Maior

No livro ‘Memória guerreira não se apaga nunca’, recordações do exílio em Moçambique onde dois anos antes da chegada do autor ”a paz ainda cambaleava” após Samora Machel proclamar a independência do país africano

(Samuel Aarão Reis)
Créditos da foto: (Samuel Aarão Reis)

Está esgotada a edição de 87 estórias e seis poesias, primeiro volume da trilogia na qual o autor, Samuel Aarão Reis, narra flashes da sua experiência quando jovem, na luta armada contra a ditadura civil-militar de 64 no Brasil. Mas há a versão PDF, para distribuição gratuita através de email ou de zap, e o segundo volume, Memória guerreira não se apaga nunca voltou a circular, distribuído pelo correio após a greve, e depois do seu lançamento na ilha de Paquetá, onde vive Samuel, cinco meses atrás.

O preparo do terceiro volume dessa pequena coleção editada de forma ágil e independente já está sendo providenciado e com certeza será mais uma leitura atraente, com breves e vivazes relatos de situações que permanecem, teimosos, na memória do ex-professor de educação popular e resistente da luta armada no Brasil dos anos 60.




Neste segundo volume desfilam os bairros populares do Rio de Janeiro, a região de Santa Tereza com seu perfil original e onde ele morou na infância, as favelas cariocas nas quais viveu na clandestinidade, e a resistência, a prisão e o exílio, primeiro no Chile e depois em Moçambique. A África é cenário de boa parte deste Memória guerreira.

No capítulo Moçambique, a difícil construção do socialismo é com muito afetuosidade que são relembradas algumas das suas experiências como assessor da secretaria de Educação durante os primeiros anos do governo Samora Machel/Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), e o país ainda lutava contra o ranço da colonização da burguesia, dos portugueses de classe média que fizeram fortuna na África. Após a independência muitos deles foram ou retornaram para Portugal.

Um dos extratos mais interessantes do livro de Samuel se dá quando ele se refere aos quatro ”tigres” que espreitavam a revolução de Moçambique. O primeiro vem com a observação: ”cada país, sozinho, é muito fraco para enfrentar as gigantescas tarefas que tem pela frente” (Nessa situação de mudança de regime).

O segundo: ” era necessário construir um movimento de libertação”. (…) ”Uma vanguarda para conduzir a luta?”, ele pergunta. ”Há muita gente que não gosta desse conceito”. (…) “Sem uma vanguarda unida e consciente como agrupar todas estas forças generosas, mas heterogêneas, dispersas, pouco experientes”?

O terceiro tigre: ”a classe média recebe a herança deixada pelo colonialismo”. Samuel se reporta ao Brasil com ”uma classe média que em amplos setores esconde sua insegurança atrás do fascismo”; e esmiúça o posicionamento dos portugueses que preferiram ficar na África após a revolução da independência de Moçambique.

E o quarto: ”os povos do interior e a cultura tradicional”. Uma questão a discutir, segundo o autor: ”A cultura tradicional não é estática, não ficou paralisada, congelada, no passado distante. Além disso, a cultura, seja ela qual for, explica, justifica e mantém estruturas de dominação.” (…) ”Até que ponto devemos aceitar sem críticas tudo que faz parte da cultura tradicional?” é a sua indagação.

Em um breve auto-retrato Samuel traz algumas reflexões no mesmo estilo dos seus relatos de contador de histórias – fotógrafo de instantâneos reveladores, simples e direto.

”Lutei contra a ditadura desde que ela começou, em 1964, em 1970. Em 1971 fui libertado por um grupo de companheiros que capturaram o embaixador suíço e pediram setenta prisioneiros em troca. Lutei contra a ditadura até que ela terminou. Governo Sarney? Constituição? Depois disso sigo lutando contra a injustiça, a opressão, a exploração.”

” A elite brasileira? É preguiçosa, incompetente, colonizada, sem um projeto nacional. A acumulação do capital no Brasil depende do controle do Estado. Depois da ditadura getulista o povo brasileiro precisou de quase vinte anos para chegar ao governo Goulart. Foi derrubado. Veio a ditadura militar-civil. Depois dessa ditadura o povo construiu o Governo Lula. A elite não admitiu.”

”Desta vez, em 2016, foi um golpe civil-militar. Está destruindo todas as conquistas anteriores. Agora, quantos anos serão necessários para que o povo brasileiro construa um novo governo popular, que defenda um projeto nacional, que defenda os interesses do povo? Não sabemos. Serão os jovens de hoje que vão construir os instrumentos para a libertação.”

”Onde há opressão há luta. Essa luta já começou. Em Paraisópolis, na Rocinha, na luta dos motoboys, no Quilombo Campo Grande. Será, mais uma vez, uma longa e difícil luta. Mas eu acredito nos jovens. E no novo que os jovens estão construindo.”

” Não sou fotógrafo. Tiro fotografias por distração”.

” Viemos para Paquetá há oito anos. Ana ( Nota: a advogada Ana Maria Müller) e eu. Mas temos casa também no Rio de Janeiro. Ficamos meio tempo em cada casa. Paquetá tem cerca de quatro mil moradores. Hoje, esses moradores passam por enormes dificuldades. A ilha tem sua vida em torno dos visitantes, do turismo e de extensa atividade cultural (música, poesia, fotografia). Todas estas atividades praticamente paralisaram. Primeiro, por causa da pandemia. Segundo, porque um conluio entre o governo estadual e a CCR, empresa que administra o único transporte para ir e vir – as barcas -, reduziu o número das embarcações pela metade”.

”A Morena, associação de moradores da ilha, tem liderado a luta contra a CCR, e organizou uma distribuição de cestas básicas. Desde o começo da pandemia nós distribuímos seiscentas cestas por mês.”

” Por causa da pandemia Memória guerreira não se apaga nunca está sendo distribuído apenas pelo correio. Quem desejar adquirir o livro deve enviar um e-mail com o endereço. O custo é de 30 reais o volume, mais 10 de transporte. Os dados bancários seguem com o livro.”

” O livro anterior, 87 estórias e 6 poesias, está esgotado. Como a venda já cobriu o custo de edição, quem desejar lê-lo pode receber gratuitamente, por e-mail, em PDF. As edições dos livros são apoiadas por um grupo de amigos e amigas que recuperam o que investiram com as vendas dos volumes. Quando as vendas atingem o valor do custo de edição eles passam a ser distribuídos gratuitamente.”

Título (provisório) do próximo livro que fechará sua trilogia:

”Provavelmente será Sobre sonhos e aventuras.” Tanto uns como as outras não foram pouco na trajetória de Samuel.

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