Por Ademir Assunção, poeta e jornalista
Não é tão simples compreender as circunstâncias que levam uma pessoa à morte. Determinar a causa é algo mais simples. É inquestionável que Paulo Leminski morreu de cirrose hepática. Mas, em determinados casos, como no dele, me pergunto quais são as vicissitudes da vida que levam uma pessoa a se deixar morrer.
Convivi com Leminski, muito de perto, no ano anterior à sua morte. “Mestre em disfarces”, como ele mesmo se qualificou, tenho a nítida impressão que ele adquirira consciência da proximidade do fim, e disfarçou este fato com sua gigantesca pulsão de vida. Porém, a leitura atenta dos poemas de sua fase final deixa muito claro que ele mapeou o próprio desaparecimento físico.
Escrevi sobre isso no ensaio “Artilharia ligeira para um kamiquase”, publicado pela primeira vez na coletânea “A linha que nunca termina”, organizada por Fabiano Calixto e André Dick (Editora Lamparina, 2005) e depois republicado em meu próprio livro “Deus Salve a Rainha e Evite Engarrafamentos” (Editora da UnB, 2021).
Mas não quero me alongar neste texto. Quero apenas dizer, trinta e cinco anos depois, que a despeito de seu alcoolismo, tenho a forte impressão de que Paulo Leminski se deixou morrer. E isso não é tão simples compreender.
LUTO POR MIM MESMO
a luz se põe
em cada átomo do universo
noite absoluta
desse mal a gente adoece
como se cada átomo doesse
como se fosse esta a última luta
o estilo desta dor
é classico
dói nos lugares certos
sem deixar rastros
dói longe dói perto
sem deixar restos
dói nos himalaias, nos interstícios
e nos países baixos
uma dor que goza
como se doer fosse poesia
já que tudo mais é prosa
(PL)
Obs.: Título da postagem é do Bem Blogado