Leonardo Boff, Tico Santa Cruz e a cumplicidade dos Deuses

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Por João Tavares* – 

O que pode haver em comum entre o teólogo franciscano Leonardo Boff que já desafiou o temido Tribunal do Santo Ofício enfrentando o furor inquisitorial do então Cardeal Ratzinger e o roqueiro e escritor Tico Santa Cruz que desafia o modo ‘coxinha’ de ser muito antes do termo cair na boca do povo?




O que poderia acontecer se ambos dividissem o mesmo palco com uma plateia lotada por toda as tribos? Que pensariam e diriam os muitos jovens tatuados que foram lá para ver o polêmico ídolo da música? Ou como reagiriam as comportadas senhoras admiradoras do frei que faz da vida um compromisso com os ideais de São Francisco de Assis?

leonardo boff e tico santa cruz 2

Pois Juiz de Fora, cidade da Zona da Mata mineira, pagou para ver e colocou os dois – lado a lado – para um diálogo cujo mote foi ‘mais respeito, menos ódio’. Na noite do já histórico e fatídico 31 de março os dois se encontraram, convergiram, partindo de pontos de vistas históricos e pessoais diferentes e mostraram que a luta por um mundo menos desigual, com menos violência e menos ódio envolve e comove pessoas de todas as idades.

Aqui cabe uma digressão: em 31 de março de 1964, foi de uma guarnição do Exército em Juiz de Fora que saíram as primeiras tropas em direção ao Rio de Janeiro para precipitar o golpe militar que já estava engendrado no sentido de derrubar o governo popular de João Goulart. Sob o comando de um General, cujo QI era tão limitado que os amigos o chamavam de ‘vaca fardada’ (Olímpio Mourão Filho), começou a noite de trevas que durou mais de duas décadas.

No momento que o país é envolto por uma camada de ódio sem precedentes; onde pediatras recusam atender recém-nascidos em virtude da filiação petista dos pais; onde crianças com camisas vermelhas da seleção suíça são agredidas em escolas; em que artistas são agredidos verbalmente nas ruas e ameaçados anonimamente de morte (Tico Santa Cruz, entre eles) como conversar sobre o amor, a paz, a justiça e a solidariedade?

Pois Leonardo e Tico conseguiram. O silêncio reverencial com que foram ouvidos lembraram um rito religioso. E os aplausos ensurdecedores que os aclamavam a cada fala concluída parecia mais com a algaravia de apoteótico show de rock. E em uníssono 1500 vozes gritaram que ‘não vai ter golpe, vai ter luta’.

E Juiz de Fora, injustamente vitimada pela história por hospedar naquele triste março a citada ‘vaca fardada’, pôde dar um abraço no Brasil e dizer que a democracia, a liberdade e a justiça são valores impregnados nas ruas, nas vilas, nos becos e nas vidas de cada cidadã e de cada cidadão juiz-forano.

Sob as bênçãos de frei Leonardo cantando a ‘oração de São Francisco’ e soba harmonia de ‘Tico Santa Cruz’ versejando em sua prosa poética, os mineiros gritaram a plenos pulmões:

Não Vai Ter Golpe! Golpe, Nunca Mais!

João Tavares, jornalista, botafoguense e pai de Clara e João Vinícius, mediou este encontro. 

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