O Bem Blogado publica mais uma história vivida por Sérgio AR Pereira, do livro o “Arquiteto & UBERnista”.

O arquiteto urbanista que, entre 2017 e 2019, trabalhou como motorista de aplicativo, conta em livro como foi este trabalho para o qual foi levado devido à crise que embarcou em nossas vidas desde o golpe de 2016.

Publicamos as impressões de Sérgio AR Pereira, em capítulos aqui no Bem Blogado. Nesta edição, trazemos o texto do prefácio da obra, escrito pela Monja Coen, e a história de uma passageira intransigente nestes tempos difíceis de intolerância religiosa.

Monja Coen: “Arquitetos arquitetam espaços para pessoas se sentirem bem – quer no trabalho, em casa, na rua, no restaurante, em qualquer lugar onde um ou uma arquiteta sejam chamados a atuar na Urbe – cidade.

Sérgio fez apenas trocar uma letra: de Urbe para Uber e continua fazendo as pessoas se sentirem bem, onde quer que estejam. No mo- vimento incessante do fluir da vida a cada instante.

Conhece gente, ouve gente, entende e desentende. Transporta, faz pontes, ligações. Oferece balas que não causam lesões.

Compartilha sua história e ouve histórias: de vida, de amor, de raiva, de conformismo e inconformismo.

Revela um pouco do seu dia, sua noite pelas ruas, pelas trilhas, pela senda de sua vida.

Motorista profissional – enquanto ainda os temos – nos leva a hospitais e parques, shoppings e cemitérios.

Acode partos e despachos. Paciência e persistência. Resiliência…

Vidamorte em constante efervescência.

Sérgio pratica Zazen, respiração consciente. Seu texto respira, conscientemente.

Medita, estuda, pratica e replica, multiplica o Caminho Zen.

Se você entrar em um UBER e ouvir uma voz gentil perguntar “para onde vamos?”, pode responder tranquilo: “Para o mundo de Budas Iluminados”.

Espero que Sérgio o possa levar até lá, dentro do dentro, onde o fora deixou de existir e o dentro sumiu, ficando apenas o agora – inteiro e todo seu. Aprecie.

Que todos os seres se beneficiem e possam se tornar o Caminho Iluminado.

Mãos em prece

Monja Coen

Texto de Sérgio AR Pereira:

Por falar em religião, vale dizer que inúmeras pessoas, passageiros, tentaram me converter para a sua religião, principalmente aquelas que praticam religiões de origem pentecostal, pois se entregam de maneira integral ao aprendizado da “palavra” e querem ou buscam espalhá-la para o maior número de pessoas a fim de angariar seguidores para o “seu” Senhor.

Em uma de minhas viagens fui chamado por uma mulher que entrou no carro reclamando que estava atrasada para o dentista e não poderia perder a consulta de maneira alguma. Eu a cumprimentei e dei andamento à viagem, dizendo que faria o possível, mas o tempo da viagem não dependia somente da minha vontade.

– O senhor é cristão? – ela me perguntou. Respondi que fui ba- tizado no catolicismo, e que era cristão, portanto, mas que seguia o budismo e vinha encontrando muitos significados para a vida a partir dos ensinamentos que aprendia.

– Ah, o senhor é budista então!

Disse-lhe já ter participado de um retiro budista e que na semana seguinte iniciaria um curso de introdução ao Zen Budismo.

– E a senhora, é cristã? – respondeu-me que sim, mas que na verdade estava tentando, “pois é difícil ser a verdadeira cristã”.

Perguntei-lhe de qual igreja e ela disse-me que congrega na Igreja da Revelação … e que “lá a gente aprende a valorizar Cristo verdadeiramente”. Que bom, eu respondi.

Em conversas sobre religião com passageiros eu sempre perguntei: “O que a senhora acha do nosso presidente falar tanto em Cristo e pregar o uso de armas e outras coisas que Cristo certamente não falaria ou faria?”

Ela me disse com todas as letras, o seguinte: “Então, quem sou eu para julgar alguém, mas nós aprendemos com o nosso pastor que o anticristo virá do poder. E pode ser ele, como pode ser o ex-presidente preso, ou qualquer outro”.

E na visão do pastor seria “mais provável que o anticristo seja da esquerda, porque eles têm ligação com o Papa, com bispos”. É por aí.

– Mas este Papa faz pregações tão próximas às que Cristo fazia. O Papa pode ser o anticristo?

– Por que não? – ela me respondeu com outra pergunta.

Quis saber se tratava-se do Papa atual ou de um futuro Papa. Respondeu-me confusa que “sobre este atual eu não conheço, mas o anticristo já deve estar entre nós”.

– A senhora falou do presidente, do ex-presidente, do partido do ex-presidente e do Papa. O anticristo será brasileiro? Ou argentino, talvez?

– Tenho quase certeza, mas ele será do mundo inteiro, pois nós somos muito falhos como seres humanos e somos piores ainda por sermos brasileiros

Achei esta frase muito pesada. Não me acho melhor do que ninguém como brasileiro, mas também não me acho pior. Temos problemas sérios. Então resolvi provocá-la um pouco e perguntei-lhe: “O que a senhora acha do bispo da maior igreja evangélica do Brasil?”

– Faz um excelente trabalho com a palavra de Cristo, mas comete erros. Quando se enriquece, os problemas e defeitos aparecem, mas ele é muito mais esperto do que aquele, da outra igreja, que é negro, sabe? – assenti que sabia, com a cabeça, e perguntei por que, mas ela não me explicou.

– Todos nós somos pecadores desde Adão e Eva.

– Sim, é o que dizem as igrejas criacionistas. O budismo diz que todos nós e todos os outros seres formamos uma só natureza e que tudo está interligado e que isto é o sagrado. E que tudo o que fazemos,    produzimos ou pensamos não durará para sempre. Tudo é impermanente.

É, né? – disse-me desinteressada. Procure conhecer o evange lho, você vai gostar apenas ri.

Vi que nos aproximávamos do seu destino e, por me lembrar que ela estava atrasada, quis ser ágil em sua descida, e como vi que me pagaria em dinheiro e eu teria que voltar troco, perguntei-lhe: “A senhora  vai pagar em dinheiro, certo?”

– Já está me cobrando?

– Não, é que a senhora está atrasada e eu queria adiantar o tro co, se houver. Chegamos e eu lhe informei o valor. “São R$ 6,48.”

– Faz por cinco reais que tá tudo certo.

Eu  neguei a proposta alegando que era um valor baixo para um transporte desse tipo, particularizado.

Ela irritada me questionou: “O budismo ensina a ficar cobrando as pessoas?”

Disse-lhe que não, obviamente, e devolvi-lhe picantemente a pergunta: “E o cristianismo ensina a ficar pechinchando e desvalorizando o trabalho alheio?”

Ela ficou sem graça e eu completei   que o budismo nos ensina a sermos justos.

– Justo somente Ele. Só Deus – disse-me, fazendo acenos em direção ao céu.

– O senhor é na verdade muito esperto, isso sim – ri e disse-lhe novamente o valor correto da corrida. Pagou-me, saiu do carro e repe tiu lá de fora:

–  Procure o evangelho.

Sobre o autor

Sérgio A. R. Pereira é Arquiteto e Urbanista desde 1982. Antes disso já escrevia poesias, contos e causos.

Como arquiteto atuou em órgãos públicos e em multinacionais em experiências socializantes e capitalizantes, sempre mantendo o bom humor e suas convicções por onde passou.

Fez cursos como aluno especial de mestrado na USP, extensão em gerenciamento na FGV, MBA em Marketing de Serviços na ESPM, curso de Educação Ambiental no Instituto 5 Elementos e por fim Mestrado em Arquitetura e Urbanismo na FAU Mackenzie.

Superou todas as crises econômicas do país e na pior delas, a de 2017, foi experimentar a vivência UBERnista, meio ressabiado e cheio de lembranças de sua trajetória passada, entre projetos e obras.

Sem perder o bom humor teve a ideia de escrever esse livro que ora se apresenta pleno de esperanças e de compartilhamentos desse momento tão rico de aprendizados múltiplos.

Para adquirir o livro “Arquiteto & UBERnista”

Fazer contato pelo WhatsApp – (11) 93715 5328

Valor do livro R$ 40,00

Valor do envio R$ 10,00 (para todo o território nacional)

Valor total R$ 50,00