Por Geraldo Elísio, publicado em JORNALISTAS LIVRES, compartilhado de Diario do Centro do Mundo –
Pouco antes da minha aposentadoria, após relaxante período de dolce far niente, em tempo que eu chamava um computador de excelência, o ex-presidente da República, Itamar Franco, substituindo Fernando Collor, afastado das suas funções via impeachment, uma manhã entrou em contato telefônico comigo, por meio do então deputado estadual mineiro Geraldo Santana.
Depois, ao deixar a Presidência, Itamar veio a ser embaixador do Brasil em Portugal, antes tendo indicado FHC candidato a presidente da República. Contra a opinião dos amigos consultados, no caso, o ex-vereador Arthur Viana e eu. E logo depois rompeu com FHC quando este pretendeu se candidatar à sucessão e o tucano conseguiu aprovar a reeleição, contando com Michel Temer, José Sarney, Jáder Barbalho, Newton Cardoso, Iris Resende e outros.
Perdeu a convenção e disputou o governo de Minas se aliando a Newton, que o derrotara no primeiro enfrentamento entre eles, tornando-o seu vice. Venceram e tiveram outra briga. No curto período de paz, fui convidado a ir trabalhar na Prodemge, estatal de informática. Foi quando deixei de chamar computadores de excelência.
Saí de lá e voltei ao dolce far niente. Depois da nova briga com Newton, Itamar indicou para substituí-lo como candidato Aécio Neves. Pouco depois, na sala de Imprensa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais fui convidado pelo publicitário e jornalista Marco Aurélio Carone a trabalhar no Novojornal, um site que começou pequeno e de início já causou furor no país pelo teor das notícias divulgadas e a apresentação de provas documentais através de PDFs. O número de acessos cresceu assustadoramente, até atingir a média diária de um 1,8 milhão.
Em princípio, os números não incomodavam a senhora Andréa Neves, então a toda poderosa irmã do governador Aécio Neves, a principal gestora do sistema de comunicação governamental. Porém, o crescimento exponencial do número de views começou a incomodar as autoridades palacianas. Principalmente porque a chamada grande mídia, regiamente paga pelos cofres palacianos, nada dizia a respeito de irregularidades cometidas pelo governo, por menor que fossem elas. Além do mais, ainda eram reduzidos os conhecimentos relativos ao poder da nova mídia eletrônica, fenômeno, então, recente.
Lógico, análises sobre a questão já existiam há mais tempo junto aos estudiosos de um admirável mundo novo, livro que é um clássico moderno. O romance distópico de Aldous Huxley, indispensável para quem busca leituras sobre autoritarismo, manipulação genética, ficção especulativa e outros temas atuais. E eu fui me enveredando por tal caminho, alimentando a chama de ser sempre um repórter investigativo.
Com tristeza, confesso, vendo como a dita “grande imprensa” ia perdendo o bonde da história.
Presidente a qualquer custo
No âmbito palaciano e no entorno próximo começaram a surgir incômodos, daí resultando a “Teoria das Falsidades”, logo evoluindo para a necessidade de se por um fim ao Novojornal. Entretanto, havia detalhes desconhecidos do público e mesmo a omissão de fatores importantes por parte dos principais interessados, principalmente Andréa Neves, a “Goebbels das Alterosas”, como foi tachada pelo deputado estadual Sávio de Souza Cruz, do PMDB, e logo parte das acusações do então deputado, na época, estadual também, Rogério Correia, do PT.
Isto contrariava todos os projetos de Aécio Neves, que queria ser presidente da República a qualquer preço, e, beneficiado pelas circunstâncias, parece não ter desistido da ideia. Porém, os episódios foram surgindo em cascata, mostrando todo um panorama insano a habitar os corredores do Palácio da Liberdade, posteriormente transferidos com a construção da Cidade Administrativa para o Palácio Tiradentes.
O primeiro episódio a criar uma repercussão maior diz respeito à morte estúpida de uma jovem e ambiciosa “modelo”, violentamente assassinada depois de se envolver com políticos inescrupulosos, ganhando o status de poder frequentar os meios governamentais com desenvoltura.
Este conjunto de episódios me permitiu escrever um livro chamado “Diálogo com Ratos – Censura e perseguição no jornalismo digital”, publicado por meio de uma editora chamada Letramento, de Belo Horizonte, em 2018. São 228 páginas com uma carta-prefácio da jornalista e professora de Jornalismo e professora da UFMG, da Ângela Carrato.
Em Belo Horizonte, era notória a fama de Aécio Neves ser um “cheirador” de cocaína, e detestado pelo ex-governador baiano Antônio Carlos Magalhães, segundo fontes seguras, que atribuía a ele ter levado ao vício o seu filho, Luís Eduardo Maron Magalhães, que veio a falecer em Brasília devido a problemas cardíacos face ao uso de drogas. Tendo os médicos que o atenderam tomado o cuidado de preservar em ambiente propício o coração dele, que somente foi sepultado depois de ACM promover um questionamento sobre a morte do filho. E não se falou mais nada sobre o assunto.
Quanto a Aécio Neves, em 2004, Belo Horizonte ficou agitada com um jogo de futebol entre as seleções do Brasil e da Argentina, tendo como palco o Mineirão. Meandros da partida foram confusos e o então locutor esportivo Jorge Kajuru, demitido da Band, disse que Aécio era um “cheirador, político rastaquera e ladrão”, o que foi publicado no blog do Richard Jakubasko na Internet. Segundo o jornalista Juca Kfouri, Kajuru, hoje senador por Goiás, foi penalizado por se recusar a se desculpar, “no que fez muito bem”.
Mas veio o pior, em 2008. No dia 18 de junho, irritados com o desempenho brasileiro em outro Brasil x Argentina, torcedores fizeram ecoar nas arquibancadas do Mineirão:
– Ô Maradona vá se fuder! O Aécio cheira mais do que você.
Foi a primeira vez em que, de público, tal situação foi explicitada, para desconforto da Rede Globo e de Galvão Bueno, que narrava o jogo.
Os fatos foram tomando maior vulto, agora na área policial, quando chegou o momento de ocorrer o júri envolvendo o assassinato da “modelo” Cristiana Aparecida Ferreira, morta no interior do San Francisco Flat, um hotel localizado na zona central de Belo Horizonte. Ela foi forçada a ingerir veneno e, depois, estrangulada. O boletim de ocorrência (BO) foi lavrado em 6 de agosto de 2000. Porém, somente quatro meses depois é que foi instaurado o devido inquérito a envolver nomes famosos, desde o governo Itamar Franco, segundo acusações do ex-governador de Minas, Newton Cardoso, quando da ocorrência do júri.
O ex-ministro Walfrido dos Mares Henrique Guia mais o secretário de Governo de Itamar Franco, Henrique Hargreaves, e o falecido presidente das Centrais Energéticas de Minas Gerais (Cemig), Djalma Moraes, igualmente foram citados. Ao final do júri foi condenado como matador o teólogo e detetive particular Reinaldo Pacífico de Oliveira Filho.
Foi condenado a cumprir 14 anos de prisão. Só que ele é preso, mas, passados poucos dias, é colocado em liberdade. Um papel preponderante nesta condenação foi exercido pelo advogado Dino Miraglia. Enquanto isso ocorria – e ocorre – mais aumentava o desejo de “Sinhá” Andréa Neves, com o apoio do irmão, Aécio – e da Gang dos Castro, chefiada pelo ex-secretário de Estado, Danilo de Castro -, em por um fim à questão.
Porém, o Novojornal não parava, e Marco Aurélio Carone denunciou que Robson Andrade, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), em conluio com Aécio, formava um caixa para a eleição de Márcio Lacerda a prefeito de Belo Horizonte, combinação que se estendia ao então prefeito da capital mineira Fernando Pimentel, visando destruir a possibilidade da eleição de Patrus Ananias, o que acabou acontecendo. Mesmo o PT ostentando altíssimos números de apoio público nas pesquisas.
Já estavam envolvidos em diversas tretas o Executivo, o Judiciário e organismo vitais do Estado, obviamente incluindo-se neste meio o silêncio sepulcral da mídia.
Um empastelamento no currículo
Certa tarde estava eu na redação do Novojornal, sozinho em minha mesa, quando percebi a porta frontal se abrir de leve. E por ela entrar policiais civis e militares, armados até os dentes, chefiados pela promotora Vanessa Fusco. As ações policiais estavam a cargo do coronel Praxedes. Marco Aurélio Carone não estava. Fui informado da existência de uma ordem de busca e apreensão do material do jornal.
O coronel Praxedes, em desvio de função, e em clara falsidade ideológica, apresentou-se como membro do Ministério Público e lacrou o jornal. A ação “praxediana” mostrou-se ineficaz, pois uma semana depois o jornal voltou ao ar, postado de outro país. Na verdade, o que o araponga queria saber era quais as fontes o jornal tinha. Não conseguiu.
E o Mensalão Tucano e as peripécias de Aécio continuavam se expandindo, envolvendo inclusive mortes de moças abatidas por over dose. Uma próxima a Uberlândia, no Triângulo Mineiro, outra próxima a Nova Lima, o cadáver sendo jogado em um riacho envolto em um cobertor com as iniciais AN bordadas nele.
Nesse meio tempo a imprensa do país teve de se ocupar com o helicóptero da família Perrela, preso por autoridades policiais no Espírito Santo com uma carga de 450 quilos de cocaína que até hoje ninguém sabe de quem é e onde foi parar. Até agentes da Drug Enforcement Administration (DEA) estiveram no Brasil para acompanhar o caso, mas mesmo assim não se sabe quem é o dono da “preciosa carga”.
O “helipópetero” foi devolvido ao então deputado federal Gustavo Perrela, filho do senador Zezé Perrela e, o piloto, que era pago com dinheiro da verba de gabinete da Assembleia Legislativa de MG, foi dispensado do cargo que ocupava.
E pouco tempo depois outra carga quase igual foi apreendida no município mineiro de Pará de Minas, formando um triângulo a envolver esta cidade junto com um aeroporto existente em Cláudio, além de Divinópolis. O que se sabe é que o atual governador Romeu Zema vai pagar uma indenização milionária a Aécio face às ações envolvendo a construção do aeroporto de Cláudio, terra de dona Risoleta Neves, mulher de Tancredo Neves e, portanto, avó de Aécio. Mas de quem é a droga? Onde está a parte apreendida pelos federais?
Ameaça feita e cumprida
Marco Aurélio Carone, que somente pôde montar o Novojornal depois de vender o titulo do antigo e extinto jornal Diário de Minas para Andréa Neves, acabou sendo preso no dia 20 de Janeiro de 2014, às 6 horas da manhã, ao chegar ao Novojornal para trabalhar. O delegado Guilherme Santos, da Polícia Civil de Minas Gerais, lhe deu voz de prisão e Carone acabou enfrentando nove meses de encarceramento, três dos quais em solitária, onde teve um infarto e por muito pouco deixava de existir, por ficar impedido de tomar seus medicamentos de uso contínuo. Tinha 60 anos na época, sofria de diabetes e hipertensão arterial há mais de uma década. A gritaria dos seus companheiros de prisão chamou a atenção dos guardas e ele foi socorrido, mas foi solto somente depois da turma do Aécio perder as eleições de 2014.
Todo o processo foi conduzido pelo promotor hoje fora dos quadros do Ministério Público de MG, André de Pinho, preso recentemente como suspeito de assassinato de sua esposa Lorenza Maria Silva Pinho, com quem tem cinco filhos e filhas. O crime está sendo cuidado por parte de Jarbas Soares Júnior, promotor aliado e amigo de Aécio.
Na ocasião da detenção de Marco Aurélio Carone foram presos também o lobista Newton Monteiro e o advogado Dino Miraglia, que acabou perdendo um casamento de mais de 30 anos. A prisão do advogado transformou-se em verdadeiro espetáculo, com policiais descendo por cordas de um helicóptero sobre a residência dele, utilizando-se também de sirenes ligadas das viaturas policiais.
O apartamento onde eu morava foi invadido no mesmo dia com autorização judicial, porém os policiais somente levaram antigas cadernetas de telefone e um notebook que, mesmo com autorização judicial, até hoje não me foi devolvido, configurando desobediência às ordens da Justiça.
O advogado Dino foi absolvido de todas as acusações, bem como Carone e Newton Monteiro, de praticamente tudo, mas os atos de arbitrariedade não foram explicados. Eu não cheguei sequer a ser indiciado, não fui detido, porém ninguém explica onde foi parar o meu material, apesar da determinação judicial para que ele me fosse restituído.
Nos bastidores, Andréa Neves queria, se preciso, até mesmo eliminar adversários. Era uma lista extensa envolvendo nomes como o do advogado William Santos, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Minas Gerais, Simeão Celso de Faria, assessor do então deputado estadual Rogério Correia (PT), Álvaro de Souza Cruz, procurador da República em Minas Gerais, irmão do deputado estadual Sávio de Souza Cruz (PMDB), e o prefeito petista de Visconde de Rio Branco, Iran Silva Couri.
O promotor André de Pinho, hoje preso como suspeito de assassinato da mulher, deixando cinco filhos órfãos de mãe, queria implicar mais gente, inclusive o ex-deputado federal do PCdoB e ex-delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz que, segundo ele, era informante por meu intermédio, bem como o delegado Luiz Flávio Zampronha, da Polícia Federal, que eu não tenho nem o prazer de conhecer.
O grupo queria que Marco Aurélio Carone assinasse um documento comprometendo todas as pessoas em troca da sua liberdade, contudo ele alegou uma irresistível diurese e urinou sobre a documentação, provocando um verdadeiro ódio entre tais pessoas.
Hoje, o ex-delegado Protógenes, que deteve e prendeu muitas pessoas ligadas inclusive à Máfia do Futebol, está exilado na Europa e luta para recuperar os seus direitos políticos.
Na época, quando a polícia, então bem desapontada, foi embora da minha casa, eu logo procurei a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e, por iniciativa dos deputados Rogério Correia e Durval Ângelo – este hoje integrante do Tribunal de Contas de Minas Gerais -, deram andamento a um depoimento meu em audiência pública perante a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, onde tudo foi denunciado. Carone e eu depusemos depois também na Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional, denunciando tais fatos aqui relatados.
Para completar a inusitada situação que viveu Minas Gerais, em um dos inúmeros depoimentos que prestou às autoridades, não sei se competentes ou incompetentes, um inquisidor perguntou a Carone em relação ao dinheiro com o qual eram mantidas as edições do Novojornal, ficando claro que o dinheiro provinha de Andréa Neves, em face da compra do título do Diário de Minas. Tendo Carone explicado: “Vendi o título, não a alma”.