Por João Tavares, jornalista –
Resenha a respeito do livro “Trapaça’, Volume 2: Itamar Franco e Fernando Henrique – Saga política no universo paralelo brasileiro”, de Luis Costa Pinto
Aos trancos e barrancos o Brasil deu no que deu. De Cabral a Damares são mais de 500 anos de história onde o inesperado sempre faz uma surpresa. Se Caminha aproveitou sua missiva para pedir uma boquinha ao Rei, a ‘famiglia’ que hoje se aboleta no poder foi mais astuta e com as rachadinhas suburbanizou o assalto aos cofres públicos. Mas nunca, antes, na história deste país, alguém poderia imaginar que o período democrático inaugurado com a improvável e dramática aliança Tancredo/Sarney desaguaria num governo de celerados, aloprados e despreparados.
Para evitar que o passado recente vire “passagem desbotada na memória das nossas novas gerações” é preciso contar, recontar e avaliar os caminhos para melhor prosseguir. Luís Costa Pinto, um dos melhores e mais precoces jornalistas da excelente safra surgida na imprensa brasileira nos aos 80/90 prova estar em plena forma (menos a física, insinuaria Ricardo Kotscho) e entrega em doses milimetricamente calculadas uma tetralogia que conta os bastidores dos poderes, imprensa incluída, da queda de Collor até nossos dias. Se um quinto volume será necessário, só o tempo dirá.
Lançado recentemente pela Geração Editorial, ‘Trapaça’, Volume 2: Itamar Franco e Fernando Henrique – Saga política no universo paralelo brasileiro, disseca sem anestesia as entranhas do poder, desde a impensável posse de Itamar até o início do fim do governo FHC, quando o então todo poderoso presidente do Banco Central, Francisco Lopes saiu preso de uma CPI no Senado Federal.
Sensível, Luís Costa Pinto faz um saboroso relato de fatos e atos “como quem fala de amor para a moça no portão”. Não se omite, inclusive, no escrutínio de suas dores e amores em meio ao turbilhão político que deveras se confundia com os ciclones vividos na vida pessoal.
Irrepreensível, Luís Costa Pinto comprova a máxima de que jornalistas não devem ter amigos – é ao público que eles precisam se manter fiéis. Mas ele também mostra que não é preciso transformar as fontes em alvos e inimigos para angariar leitores e aumentar a tiragem de jornais ou revistas. Claudio Abramo escreveu que “o jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter”. Nos dois primeiros volumes de ‘Trapaça’, página após página, o ensinamento do mestre é exercido em plenitude.
A série ‘Trapaça’ é uma leitura obrigatória para os que pensam que conhecem o que se passou no país nos últimos 30 anos e deve ser obra de iniciação para aqueles que pretendem conhecer. Para estudantes de jornalismo, um breviário.
Repórter afável no trato e duro no compromisso com os fatos, Lula, que ao contrário do homônimo jamais pilotou um torno mecânico, vai lapidando a história, peça por peça, e nada que aconteceu de relevante no período está dissociado do seu trabalho e de sua vida.
O segundo volume começa na montagem do governo Itamar Franco e, pela primeira vez, o mineiro nascido em águas baianas é analisado com o devido respeito e importância. Um homem simples, sim, mas com uma estatura política bem maior do que a caricatura que se fez dele no meio político e na imprensa.
O capítulo sobre a morte de PC Farias traz o testemunho de um repórter que mudou de mala e cuia pra Maceió a fim de melhor informar seus leitores. O Plano Real, a quebra do Banco Econômico, a compra da reeleição de FHC, a privatização do sistema Telebrás, tudo isso e muito mais, está descrito com informações inéditas e com a maestria de um romancista em uma obra que não é de ficção.
Ninguém que tenha tido relevância na história recente do país esteve fora da pauta, da verve e do verbo de Luís Costa Pinto. Nem mesmo os episódios mais íntimos com as fontes são omitidos do leitor.
Tendo como norte a busca incansável da informação objetiva, ele dribla as seduções da corte e consegue escapar da fogueira das vaidades que queima muitos jornalistas que se aproximam de quem tem ou aparenta ter poder.
Por sinal, a disputa por espaços e por notícias nas redações e a insana luta pelo furo de cada dia (não é o que você está pensando, se tem algum bolsonarista lendo isso!) são reveladas dando o devido nome aos bois.
Como nas melhores séries que hoje mobilizam milhões na Netflix, na Prime Vídeo ou na Globoplay, a única frustração que fica no leitor, ao chegar a última página, é a vontade de ter imediatamente em mãos os dois próximos volumes. Metódico e meticuloso, Luís Costa Pinto vem lapidando “tijolo com tijolo num desenho mágico” as histórias de um tempo que nada tem de lógico e de sólido.
Não lhe falta talento de arquiteto para criar este projeto. Não lhe falta a resiliência de pedreiro para meter a mão na massa. Diante do leitor está a “Construção” de um país que insiste em se erguer em meio as ruínas políticas, financeiras e morais a que vem sendo vitimado ao longo dos anos.