Lixo internacional descartado no mar de Santos ameaça pesca artesanal

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Ministério Público investiga crime ambiental provocado por embarcações de outros países. ONG constata aumento de 300% nos últimos cinco anos

Por Laila Aguiar, compartilhado de Projeto Colabora




na foto: Entre junho de 2023 e fevereiro de 2024, a ONG Ecomov catalogou 1.200 diferentes tipos resíduos no mar de Santos. Fotos Ecomov, montagem Fernando Alvarus

O Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), ligado ao  Ministério Público de São Paulo, abriu inquérito para investigar o aumento expressivo no volume de lixo internacional encontrado no mar do litoral de Santos. O órgão se baseia num levantamento que vem sendo feito pela ONG Ecologia em Movimento (Ecomov) desde 2019, e que constatou um aumento de 300% no volume de embalagens estrangeiras na região. A costa da cidade de Peruíbe é uma das mais impactadas: entre junho de 2023 e fevereiro de 2024, a Ecomov catalogou ali 1.200 diferentes tipos resíduos.

Parque Estadual do Itinguçu, que abrange a área dos municípios de Iguape e Peruíbe, unidade de conservação ambiental que só pode ser visitada com o acompanhamento de um guia, é o lugar onde foram encontrados mais resíduos.  No local, vivem cerca de 50 famílias caiçaras que têm como principal fonte de renda a pesca e o artesanato. De acordo com os moradores, desde 2017 eles recolhem materiais descartados que não deveriam estar no mar.

“Todos os dias estou na praia e praticamente todos os dias tem lixo internacional”, relata o pescador e monitor ambiental Amilton Pedroso de Aguiar.

Ainda não se sabe, com certeza, quem são os poluidores, mas a principal suspeita recai sobre os navios estrangeiros que chegam no Porto de Santos. Itinguçu fica localizado a 113 km do porto, maior Porto da América Latina. Embora Peruíbe não seja uma cidade onde os navios fiquem fundeados à espera para entrar no Porto, ela é uma possível rota de passagem.

A bióloga Ellen Joana Nunes Santos Cunha, mestranda em Oceanografia pela Universidade Federal de Pernambuco, no entando, não descarta a possibilidade de que os resíduos sejam carregados por correntes de um país para o outro, mas não é nisso que ela aposta:

“Eu não vou dizer que é impossível, estamos falando de uma imensa massa de água espalhada pelo planeta, mas se fosse assim, o resíduo não chegaria tão conservado como na forma em que vem sendo encontrado”, explica Ellen Joana.

Ainda de acordo com a pesquisadora, é comum que esses resíduos sejam encontrados próximo a áreas portuárias. Tanto os moradores da região quanto os integrantes da Ecomov acreditam que os resíduos são descarte irregular dos navios que atracam no Porto de Santos. Em comum, as embalagens que poluem o mar têm rótulos e etiquetas de vários países, como China, Estados Unidos, Malásia, Indonésia, Inglaterra, Japão.

O projeto "Não tem peixe", em Santa Catarina, registra o impacto do lixo no trabalho dos pescadores artesanais da região de Itapoá. Foto projeto Não tem peixe
O projeto “Não tem peixe”, em Santa Catarina, registra o impacto do lixo no trabalho dos pescadores artesanais da região de Itapoá. Foto projeto Não tem peixe

“Tenho certeza de que são os navios que descartam essas embalagens no mar. Se elas viessem de outro continente, o material chegaria muito mais desgastado”, afirma Amilton Pedroso de Aguiar.

Ano após ano, as embalagens da China representam mais de 40% dos itens recolhidos pela Ecomov. São garrafas d’água vazia, invólucros de produtos de higiene pessoal, comida industrializada e itens usados na limpeza dos porões de navios.

Entre as embalagens que foram encontradas no parque estadual em Peruíbe, duas chamaram atenção pela toxicidade: Gamazyme BTC e Metabissulfito. São produtos usados por embarcações para limpeza de porões ou pela indústria pesqueira.

De acordo com o formulário que contém dados relativos às propriedades da substância, o Gamazyme BTC é um produto corrosivo, nocivo para os organismos aquáticos e pode causar lesões oculares em humanos. Por conta disso, a recomendação é que o produto seja descartado em um local autorizado.

Já o Metabissulfito é um produto que conserva alimentos e é de alta toxicidade. Um estudo do Instituto de Ciências do Mar mostrou que o Metabissulfito é tóxico também para o meio ambiente.

“A toxicidade se dá principalmente pela retirada do oxigênio dissolvido na água, ocasionando a mortalidade por asfixia da fauna e flora”, afirma o trabalho dos pesquisadores Janisi Sales Aragão, Caroline Beserra de Castro e Letícia Veras Costa-Lotufo.

Abertura do inquérito

Com todos esses dados, e por causa do aumento expressivo da quantidade de lixo, o representante da Ecomov, Rodrigo Brandão Azambuja, passou a documentar e enviar petições para o Gaema: “Desde 2019, quando começamos a fazer o estudo, até o ano passado (2023), enviamos cinco petições ao Gaema. Eles também começaram a achar o caso bem sério e se perguntam o motivo de o lixo ficar concentrado no litoral de Peruíbe”, explica Rodigo.

Como parte das investigações, o Gaema vem fazendo entrevistas com a Autoridade Portuária de Santos (APS), Ibama, Marinha do Brasil e também com as empresas que cuidam da retirada de resíduos das embarcações.

Os navios que chegam ao Porto de Santos precisam cumprir algumas exigências que são regulamentadas pela APS. Uma delas é a entrega de documentos onde constam a quantidade de resíduos que estão na embarcação. Em alguns casos, esse resíduo pode ser retirado pela empresa regulamentada no Porto, mas não é sempre que esse processo acontece, pois os comandantes dos navios podem optar por não descarregar ali o lixo produzido durante o trajeto.

Não tem peixe, mas tem lixo

O problema do lixo internacional não afeta somente os pescadores da região da Baixada Santista, mas diversas outras partes do Brasil. Os pescadores artesanais da cidade portuária de Itapoá, litoral de Santa Catarina, por exemplo, têm sido gravemente afetados pelos resíduos encontrados na região.

A sociedade civil cria soluções paliativas para tentar minimizar os impactos desses resíduos no mar e dar voz para os pescadores artesanais. É o caso do projeto “Não tem peixe”, idealizado pelo analista ambiental Diego Sanches, que já recolheu mais de 47 quilos de resíduos em Itapoá, entre eles algumas embalagens internacionais. A ideia nasceu quando ele teve um contato mais próximo com os pescadores daquela região e escutou as queixas sobre o lixo no mar.

“Há pouco tempo encontramos uma sacola bem cheia de garrafas chinesas boiando no mar. Sabemos como é uma área portuária: são as embarcações que despejam esses resíduos no mar”, disse ele.

Microplásticos, outro problema grave

Em junho de 2023, uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e publicada na revista “Science of the Total Environment” indicou que o Estuário de Santos, no litoral Sul paulista, é um dos locais com maior contaminação por microplásticos do mundo.

A conclusão se baseou na comparação de amostras de ostras e mexilhões coletados na região com os dados de mais de cem estudos realizados em 40 países. Na Baixada Santista, os moluscos foram recolhidos na região da balsa Santos-Guarujá, na Praia do Góes e na Ilha das Palmas.

Mas, para o professor e pesquisador Ítalo Braga de Castro, da Unifesp, o nível de contaminação por microplásticos na região não surpreende, já que o local está próximo ao Porto de Santos e sofre influência direta da descarga de resíduos industriais e domésticos dos municípios vizinhos.

Castro diz que a atividade portuária contamina as águas do estuário (ambiente aquático de transição entre um rio e o mar) por soltar partículas de plástico a cada vez que um navio é carregado ou descarregado com matéria-prima para a produção desse material.

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