Lola Aronovich: a machosfera usa tecnologia para perpetuar a misoginia

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Blogueira feminista, alvo de ataques há 15 anos, alerta contra ações na internet: ‘são grupos organizados para destruir vidas de mulheres’

Por Ana Carolina Aguiar, compartilhado de Projeto Colabora




Autora do blog Escreva, Lola, Escreva há 15 anos, a blogueira é uma das precursoras do ativismo feminista na internet no Brasil. Foto: Arquivo Pessoal

Dolores Aronovich – conhecida como Lola – é a autora de um dos primeiros blogs feministas do país, o “Escreva, Lola, Escreva”. Pelo seu ativismo nos textos, a professora universitária se tornou alvo de grupos masculinistas – supostos defensores dos “direitos dos homens” e que se consideram vítimas de um sistema com privilégio feminino. Ela também carrega uma lei com o seu nome: a Lei Lola, sancionada em 2018, é referente a crimes de misoginia na internet.

Com o aumento de grupos de extrema-direita na sociedade brasileira, a machosfera também cresceu. A origem da machosfera começa nos Estados Unidos, no início dos anos 1980, como uma resposta contrária ao feminismo e o aumento dos grupos masculinistas chegou à internet por meio de fóruns anônimos. Hoje, a machosfera se tornou a disseminação de discursos misóginos, ou seja, de ódio e aversão às mulheres nas redes.

 Talvez, quando a misoginia parar de ser recompensada e seja efetivamente combatida, ela diminua

Lola Aronovi/chProfessora universitária e blogueira femininista

A partir desse contexto, termos como Red Pill e MGTOW (sigla para Men Going Their Own Way – em português, significa ‘homens seguindo seu próprio caminho’) ganharam evidência dentro do ambiente masculinista na internet. Com referência ao filme Matrix, a pílula vermelha (red pill) seria o despertar dos homens para a realidade de um mundo com privilégio feminino. A corrente radical masculinista MGTOW defende uma vida sem relacionamentos com mulheres porque acredita que elas apenas atrapalham as suas jornadas.

Esse movimento ultraconservador pode ser percebido nas estatísticas. Com base na quarta edição do levantamento Visível e Invisível​: A Vitimização de Mulheres no Brasil, do Fórum de Segurança Pública do Brasil, o país vive uma epidemia de violência contra as mulheres. Quase 51 mil mulheres sofreram violência diariamente e 30 milhões sofreram algum tipo de assédio em 2022. 

A ascensão de grupos ultraconservadores na política e na sociedade brasileira foi analisada no estudo como um dos motivos para o aumento dessa violência. Na última gestão, o governo federal retirou recursos de políticas públicas para o enfrentamento à violência contra mulher, além de endossar discursos como o da Escola sem Partido para silenciar o debate sobre questões como igualdade de gênero, raça e sexualidade nos ambientes escolares.

Desde 2008, Lola Aronovich recebe ataques misóginas desses masculinistas. Em entrevista ao #Colabora, a ativista conversa sobre esses movimentos misóginos e a importância da luta como resistência.

#Colabora – Qual a relação do movimento Red Pill e da machosfera nas redes sociais com o avanço da misoginia no país?

Lola Aronovich – A misoginia não é uma invenção da machosfera, mas os red pills certamente usam os instrumentos tecnológicos para espalhá-la, perpetuá-la, apresentá-la a novas gerações. Vale lembrar que essa machosfera não existe só no Brasil. É um movimento internacional. Aqui eles copiam praticamente tudo dos EUA, inclusive a terminologia. 

#Colabora – Como o avanço dessa misoginia impacta a vida das mulheres brasileiras no dia a dia?

As ameaças de morte, estupro, tortura, desmembramento, começaram em 2010, 2011. E nunca pararam. Eu faço boletins de ocorrência, não me calo, não tenho medo.

Lola AronovichProfessora universitária e blogueira feminista

Lola Aronovich – Impacta de várias formas. É sempre um risco conhecer e se relacionar com um red pill através de aplicativos de relacionamento como o Tinder, por exemplo. Creio que a maioria das mulheres teria asco e não iria querer se relacionar com um misógino, mas no Tinder eles mentem à vontade e tentam disfarçar seu ódio. Só que essa misoginia sempre vem à tona, e geralmente vem em forma de violência. Há red pills que pregam não empregar mulheres. Isso não é um risco tão grande porque a maior parte deles não é bem sucedida e não tem poder pra contratar ou demitir alguém. O mais importante para entender é que, quando falamos em red pill, não é um ou outro machista genérico. São grupos organizados que agem, muitas vezes, para destruir vidas de mulheres, seja cometendo massacres, seja alvejando ativistas feministas, seja espalhando todo tipo de preconceito, principalmente contra mães solo, gordas e mulheres negras. Há grupos misóginos que escolhem vítimas aleatórias: por exemplo, uma menina de 16 anos que recusa o namoro com um cara. Para misóginos, um homem ser colocado na “friendzone” (a moça falar que só o quer como amigo) é pior que estupro (não estou inventando, eles repetem isso como mantra). Então eles se organizam pra  atacar a menina que não quis namorar. Fazem doxxing (descobrem endereço residencial e dados pessoais sobre ela e a família), passam a enviar pizzas, vibradores e fezes pra  casa dela, a ameaçam de estupro e de morte. A menina nem sabe por que está sendo atacada. 

#Colabora – De acordo com o levantamento Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil, que indica a existência de uma epidemia de violência contra mulheres no país, o Brasil se tornou um lugar mais perigoso para as mulheres. Por onde podemos começar, enquanto sociedade, no combate a essa realidade?

Lola Aronovich – A legislação não é suficiente para combater o ódio contra as mulheres. A lei 13.642 leva o meu nome, a Lei Lola. Em abril ela completa cinco anos, e ela cobra da Polícia Federal a investigação de crimes misóginos contra mulheres na internet. Ela ainda não foi devidamente implementada, mas é a primeira vez que o termo “misoginia” aparece numa lei brasileira, o que muito me orgulha. Só que misoginia não é crime no Brasil. Agora a deputada federal Dandara, do PT de Minas Gerais, apresentou um projeto de lei para criminalizar a misoginia, assim como ativistas conseguiram fazer com a homofobia e a transfobia, usando a lei contra o racismo. Isso é muito importante. Mas, pra mim, que sou professora, tudo passa pela educação. É fundamental que haja espaço nas escolas para que jovens possam conversar sobre suas aflições, sobre o que encontram na internet. Além do mais, as plataformas devem ser responsabilizadas pelo conteúdo. Há estudos mostrando que canais como o Youtube divulgam discurso de ódio, porque eles engajam mais, e assim a empresa lucra mais. Talvez, quando a misoginia parar de ser recompensada e seja efetivamente combatida, ela diminua.

#Colabora – Você diz na bio do twitter que desde criancinha é ingrata com o patriarcado. Em qual momento começou o seu envolvimento com a luta feminista?

A lei foi sancionada no governo Temer, e, no governo Bolsonaro, obviamente não houve qualquer interesse de uma administração misógina em investigar homens misóginos, que constituem talvez a maior base de apoio de Bolsonaro

Lola AronovichProfessora universitária e blogueira feminista

Lola Aronovich – Tive a sorte de ter pais progressistas, de esquerda, feministas. Tenho registros do meu feminismo já com meus 8 anos de idade. Claro que não era um feminismo acadêmico, mas eu já dizia que mulheres podem fazer tudo que os homens podem, que mulher não é inferior. Isso me acompanhou a vida inteira. Sou feminista desde que me conheço por gente.

#Colabora – Desde que criou o seu blog, há 15 anos, você recebe diversas ameaças, inclusive de morte. Você percebe alguma diferença na forma como esses discursos de ódios se dão hoje e como era antigamente? Como você lida com esses ataques?

Lola Aronovich – São as mesmas ameaças desde sempre. Na realidade, nos primeiros 2, 3 anos de blog, havia muitos trolls na caixa de comentários do meu blog, e eles são insuportáveis, falando barbaridades, xingando, desvirtuando o debate. Mas eles não ameaçavam. As ameaças de morte, estupro, tortura, desmembramento, começaram em 2010, 2011. E nunca pararam. Eu faço boletins de ocorrência, não me calo, não tenho medo. Continuo a minha vida normalmente. Nunca perdi uma noite de sono por conta dos ataques.

#Colabora – Existe a Lei Lola, sancionada em 2018, que atribui à Polícia Federal a responsabilidade pela investigação de crimes de ódio pela internet contra mulheres. Como essa lei tem sido aplicada? Dentro desse contexto do avanço da misoginia com os movimentos Red Pill e MGTOW, como ela pode colaborar na criminalização desses discursos?

Lola Aronovich – A lei foi sancionada no governo Temer, e, no governo Bolsonaro, obviamente não houve qualquer interesse de uma administração misógina em investigar homens misóginos, que constituem talvez a maior base de apoio de Bolsonaro. Assim que a lei foi aprovada, a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE), a autora do projeto, quis marcar uma reunião com o diretor da PF para que pudéssemos discutir detalhes fundamentais. Por exemplo, em que casos uma mulher deve denunciar? Como ela faz isso? Pode ser online? O que ela precisa coletar para ajudar a polícia? Como serão as investigações e de quanto seria a pena, visto que misoginia ainda não é criminalizada no Brasil? Agora que novamente temos um governo progressista, estamos mais esperançosas. A deputada já enviou um ofício para o ministro da Justiça Flavio Dino retomando a implantação efetiva da Lei Lola. Mas é difícil mesmo combater o discurso de ódio. Faço parte de um grupo de trabalho organizado pelo Ministério de Direitos Humanos justamente para isso, para buscar soluções contra o ódio e o extremismo.

#Colabora – O que te motiva a continuar nas redes e não desistir do ativismo?

Lola Aronovich – Muitas vezes eu me canso e dá vontade de desistir. São muitos anos de luta. Um dia vou querer me aposentar. Mas, por enquanto, se eu e outras ativistas nos calarmos, eles ganham.

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