Por Luís Pimentel, compartilhado de O Dia –
Compositor e artista plástico, lidou com a música exercitando a fleuma que o caracterizava: lentamente, sempre nos momentos certos, elegantemente como o seu andar, maneira de falar, trato com as pessoas
Ele nasceu em janeiro de 1921. No começo do ano, no começo do mês (dia 3). Compositor e artista plástico, Guilherme de Brito lidou com a música exercitando a fleuma que o caracterizava: lentamente, sempre nos momentos certos, elegantemente como o seu andar, maneira de falar, trato com as pessoas.
Compôs pouco, quase sempre em parceria com Nelson Cavaquinho, mas em todas as criações se destacava o rigor formal das imagens e o domínio absoluto da poesia. “A flor e o espinho” e “Degraus da vida”, para ficar em dois exemplos, são amostras contundentes de sua enorme maestria.
Entrevistei Guilherme de Brito por conta dos seus 70 anos, em 1990, para a Revista Música Brasileira. Pelo seu comportamento atencioso e elegante, dei à matéria o título “O inglês de Bonsucesso” (bairro da Zona Norte do Rio, onde ele vivia). Alguns anos depois, o encontrei no Bar Bip Bip, em Copacabana. Fizemos um brinde, juntamente com o nosso querido amigo comum, Alfredinho, e com Dona Nena (Artemísia de Brito), a companheira da vida inteira que não desgrudava do poeta, dedicando comovente carinho e atenção.
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Reconheceu-me, se lembrou da matéria e comentou: “Jamais pensei em ser inglês, longe de mim. Mas a referência a Bonsucesso me deixou muito orgulhoso”.
Finíssimo Guilherme! Trajando linho branco e cultivando a barba da mesma cor, cuidadosamente aparada, chamava a atenção. Neto de alemão, nasceu no bairro de Vila Isabel do grande Noel, e se dizia um apaixonado pelo Rio de Janeiro. A música era herança familiar. O pai foi funcionário da Central do Brasil e tocava violão. A mãe tocava piano e a irmã também era violonista.
Ainda na infância ganhou um cavaquinho, que trocou depois por um violão, e começou a compor. Mais tarde se especializou como letrista, tornando-se um dos mais inspirados do nosso cancioneiro.
Perdeu o pai ainda jovem e foi trabalhar como office-boy na Casa Édson, a grande lançadora de talentos musicais de sua juventude, nas décadas de 1930/40. Ali conheceu todo mundo, e teve certeza de que queria ser artista. Quando conheceu Nelson Cavaquinho, e recebeu dele as primeiras melodias para que colocasse letras, teve certeza de que estava no caminho certo.
A elegância o acompanhou a vida inteira, especialmente na sabedoria para lidar com as glórias, entre as falsas e as verdadeiras. Jamais lamentou o fato de os louros do sucesso recaírem mais na conta dos parceiros, ou se queixou do que quer que fosse. Só nos anos 1980 pôde gravar um disco só seu, por iniciativa do cantor e compositor Moacyr Luz, que o produziu. Também soube conviver modestamente com a sua atividade de artista plástico, que o levou a fazer exposições até no Japão.
Guilherme de Brito nos deixou há 15 anos, em 2006 (no dia 27 de abril), com a mesma serenidade e discrição com que viveu.