Por Celso Sabadin, jornalista, cineasta – Planeta Tela
Não sei se Bill Nichols – uma das maiores autoridades mundiais em documentários – já chegou a classificar academicamente este tipo de registro cinematográfico documental no qual apenas o objeto documentado tem vez e voz. Ou, trocando em miúdos, este documentário em que a única pessoa que fala é o próprio documentado.
Registros acadêmicos, a parte, trata-se de um tipo de filme que me agrada bastante. “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” – que estreia nos cinemas nesta quinta, 16/01 – é quase totalmente assim: um verdadeiro inventário de várias entrevistas concedidas no transcorrer do tempo pelo cantor/compositor entremeadas por seus números musicais. Não fica cansativo? Longe disso. Bem melhor, em minha opinião, que aquele tipo de documentário que reúne dezenas de depoentes para falar como o assunto documentado era maravilhoso.
Este tipo de documentário em primeira pessoa, além de fugir das armadilhas da tal “hagiografia” (na qual todo mundo endeusa o tema) tem ainda a vantagem de levar ao público preciosas imagens de arquivo que contribuem sobremaneira para o enriquecimento da difusão da nossa cultura audiovisual, sempre tão relegada a segundos e terceiros planos. É um verdadeiro “abrir de arquivos” que oxigena nossa sempre tão combalida memória.
Quando todo esse contexto vem atrelado à inspiradora figura de Luiz Melodia, o resultado só poderia mesmo ser um filme dos mais bem vindos. Não apenas pelo importantíssimo registro da riquíssima produção musical deste artista como também pela sua postura humana cada vez mais rara nos meios produtivos. “Prefiro fazer o que gosto que ganhar dinheiro aos milhões”, por exemplo, é um pensamento que, infelizmente, entrou em extinção neste nosso século marcado pela ansiedade e pela ambição.
Digna de nota também é a solução encontrada por Luiz Melodia quando ele se viu pressionado pelo repentino, avassalador e assustador sucesso de sua canção “Juventude Transviada”, que virou tema de novela: fugir por dois anos para uma praia baiana. Tal comportamento – totalmente na contramão dos anseios midiáticos de hoje – é um bálsamo reconfortante da condição humana.
Reunindo trechos de cerca de 40 canções, “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” tem direção de Alessandra Dorgan e direção musical de Patrícia Palumbo, que também foi amiga pessoal do cantor e compositor. Ambas assinam o roteiro, em parceria com Joaquim Castro.