Por Teresa Cruvinel, Brasil 247 –
O enredo que vem sendo rabiscado desde 2003 agora começa a tomar forma. No epílogo desejado por seus autores, o ex-presidente Lula sai da História, do lugar assegurado por sua trajetória e por oito anos de governo que mudaram o Brasil, tomba como réu em um processo desonroso, torna-se inelegível e o povo brasileiro não repete a ousadia de colocar na Presidência alguém saído de onde ele saiu: da pobreza, do Nordeste, da classe operária, do compromisso com os mais pobres e com um Brasil de todos.
Sua vitória em 2002 foi engolida como sinal de que a democracia brasileira é para valer mas os refluxos de uma certa elite – uma certa elite não necessariamente econômica, mas essencialmente ideológica – nunca mais cessaram. Estes segmentos regurgitaram ao longo de seu governo por qualquer palavra mal posta e por todas as políticas que, sem tomar nada dos ricos, buscaram promover um pouquinho mais de igualdade. O Bolsa-Família foi chamado de bolsa-esmola, as cotas raciais foram esconjuradas, o Pro-Uni acusado de levar despreparados para a Universidade e por aí afora. Quando se viu que apesar do desgaste com o mensalão de 2005 ele se reelegeria, fizeram o diabo para evitar seu novo mandato. Perderam de novo e o mandato foi exitoso. O Brasil cresceu para todos e ganhou uma nova projeção internacional. A inclusão neste período, que hoje se tenta minimizar diante das dificuldades econômicas do governo Dilma, foi tão importante que ainda faz de Lula a maior ameaça eleitoral ao bloco conservador em 2018. Sim, houve pesquisa com Aécio na liderança, mas na conjuntura febril de hoje, em que o próprio Lula se disse abaixo do volume morto. Até 2018, muitas águas rolarão e ele precisa estar fora do páreo.
Poucos presidentes puderam, como o pouco letrado e monoglota Lula, promover em tão pouco tempo tão grande transformação no papel internacional de seu país, escreveu o jornalista americano David Rothkopf, na The New Foreign Policy Review, nos idos de 2009. Para isso Lula contou com os bons ventos no cenário externo, é verdade, com o desempenho formidável de Celso Amorim como chanceler, articulando os BRICS, o G20 Comercial e outras iniciativas, e com sua determinação em ser um “mascate do Brasil”. Vender o Brasil significou sempre, para Lula, fazer diplomacia bilateral, multilateral e também abrir oportunidades para as empresas e produtos brasileiros no mercado internacional. Em 2003, primeiro ano de seu governo, cobri sua primeira viagem oficial a Cuba, e com ele viajaram dezenas de empresários do setor sucro-alcooleiro em busca de oportunidades na ilha. A produção de açúcar declinara, após a perda do grande comprador que era a extinta URSS. As usinas paradas poderiam ser direcionadas para a produção de álcool. Foi lobby? Não, foi diplomacia presidencial eficiente. Alguns negócios surgiram destes primeiros contatos. Na viagem à China, levou 500 empresários. À Índia, outros tantos. Seus dois ministros do MDIC, Furlan e Miguel Jorge, também foram “lobistas” das empresas nacionais no exterior.
Fora da Presidência, Lula criou seu instituto, através do qual continua atuando em favor das agendas novas que criou, como a cooperação com a África e o combate à fome no mundo. Fez palestras, colecionou honrarias lá fora e pontificou em favor de empresas brasileiras nos eventos internacionais de que participou. Num deles, em Lisboa, comentou com o primeiro-ministro Paulo Portas que a Odebrecht tinha interesse na compra de uma empresa que estava sendo privatizada. Poderia ter dito isso recentemente em relação ao interesse da Azul na compra da TAP, que acabou sendo efetivada. Foi crime? Para O Globo, sim. Foi prova de que fez lobby para a empreiteira. Assim como o fato de ter participado do evento do BNDES com autoridades africanas, inclusive o embaixador do Zimbabwe. A forma como O Globo omitiu trechos das explicações dadas pelo Instituto Lula revela exatamente a ansiedade para concluir o enredo, o “pega Lula”.
Quando começou o procedimento do Ministério Público sobre suas ações internacionais, que agora virou inquérito, Lula declarou-me em rápida entrevista ao 247:
“Tenho orgulho de ter sido o presidente que mais trabalhou para abrir mercados para as empresas brasileiras no mundo. Quero ser lembrado como o presidente que mais levou comitivas de empresários, dos mais diversos setores, em suas viagens. Levei centenas de empresários comigo à China, à Índia, à África, aos quatro cantos do mundo. Cada empresa brasileira que conquistava mercado lá fora para nós era uma bandeira do Brasil fincada num outro país. Eu dizia ao Furlan e ao Miguel Jorge: vocês têm que ser verdadeiros mascates do Brasil. E eles também saíram pelo mundo fazendo isso.”
Por estas bandeiras fincadas, Lula está sendo investigado. É apontado como “suspeito” em manchetes que exalam a satisfação dos caçadores com a proximidade do momento esperado: o de tirar Lula da História, incriminá-lo e suprimi-lo da disputa presidencial de 2018.
Tirá-lo do páreo significa estancar as mudanças em favor de uma democracia de fato, de uma democracia de oportunidades, não apenas de voto, através de um sistema destinado a nada mudar. Tirar Lula do páreo é estratégia para barrar o assanhamento do povo, que passou a frequentar faculdades, andar de avião e até infestar o Facebook com suas páginas vulgares. É barrar o impulso por mudanças, assim como em 1964 foram barradas as reformas de base de Goulart.
A luta social é como a vida, na definição de Guimarães Rosa: “A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Neste momento, ela aperta as consciências democráticas e justas sobre o sentido da caçada a Lula. O PT, se entendeu isso, ainda não se moveu com a gravidade que a ofensiva exige. E sem Lula, haverá PT?
Mas se “pegarem Lula”, tudo vai se aquietar: a ferocidade de Moro e da Lava Jato, as denúncias contra outros políticos, a devassa das empreiteiras, as apostas contra o mandato de Dilma. Tudo isso voltará a ser irrelevante se o objetivo maior for alcançado.