Presidente defendeu a regulamentação das empresas de entregas e transportes por aplicativos para garantir proteção do Estado aos trabalhadores, mas não detalhou medidas a serem tomadas pelo governo
Por Ana Magalhães, de Brasília, e Beatriz Souza, compartilhado de Repórter Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu nesta terça-feira (7) regulamentar o trabalho por aplicativos para melhorar as condições dos trabalhadores e criar uma nova relação com os patrões, mas não explicou de que forma isso será feito.
“As empresas de aplicativos precisam ser reguladas, numa nova relação mercado, capital e trabalho, porque se não os trabalhadores estão quase se colocando como escravos”, disse o presidente na manhã de hoje, durante café da manhã no Palácio do Planalto com cerca de 40 jornalistas e influenciadores, entre elas a Repórter Brasil.
Lula criticou o que chamou de “crescimento pífio” da economia e ressaltou que o país precisa “criar emprego formal” e “atualizar a relação entre trabalho e capital”, dando como exemplo a falta de direitos dos trabalhadores por aplicativo.
O presidente disse que o entregador “vai perceber que não tem nenhuma proteção do Estado” quando seu carro novo ou bicicleta quebrarem. “O Estado brasileiro tem que garantir proteção a essas pessoas”.
A regulamentação do trabalho dos profissionais de aplicativos já está sendo tratada pelo governo, mas ainda não foi detalhada. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, prometeu mudar a legislação e afirmou que não aceitará chantagem caso empresas ameacem deixar o país diante da regulamentação, segundo disse em entrevista ao Valor Econômico.
Marinho aventou a possibilidade de que os Correios criem um aplicativo para entrega, caso as empresas deixem o mercado. “Aplicativo se tem aos montes. Não queremos regular lá no mínimo detalhe. Ninguém gosta de correr muito risco, especialmente os capitalistas brasileiros. Mas qual a regulação para proteção do trabalho e das pessoas?”, disse.
Ainda segundo Marinho, o plano é incluir os trabalhadores dos aplicativos no INSS, com direito a aposentadoria, mas ainda há dúvidas sobre o enquadramento na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O ministro do Trabalho descartou, no início de janeiro, a aplicação das regras da CLT para os trabalhadores das plataformas. O comentário foi alvo de críticas da categoria. “Não foi um desejo dos motoboys que a CLT não fosse mais uma realidade, foi um desejo dos patrões” criticou à época Paulo Galo, um dos líderes da Aliança dos Entregadores de Aplicativos. “Defender a CLT tem que ser prioridade do Partido dos Trabalhadores”, escreveu em sua conta no Twitter.
O movimento chegou a marcar uma greve para 25 de janeiro contra os aplicativos e por melhores condições, mas o protesto foi suspenso após o governo federal convidar as lideranças do movimento para dialogar.
Procurado pela Repórter Brasil, o Ministério do Trabalho e Emprego informou que foi criado um Grupo de Trabalho para discutir a regulamentação do trabalho por aplicativo, que ainda está em fase de organização interna e início das discussões. “O prazo estimado é 90 dias para a conclusão dos trabalhos e apresentação da proposta.”
A Repórter Brasil já denunciou a situação precária da categoria. Durante a pandemia, por exemplo, os trabalhadores acometidos pelo coronavírus tinham de escolher entre fazer quarentena sem renda ou trabalhar doente. Alguns motoristas infectados morreram antes de receberem a ajuda prometida pelos aplicativos.
Meio ambiente
Na coletiva, Lula também prometeu “acabar com o garimpo em terras indígenas” e frear o desmatamento da Amazônia. “Dessa vez será muito sério. A gente não vai mais permitir garimpo em terras indígenas, e mais do que não permitir garimpo, a gente não vai permitir pesquisa nas áreas que não podem ser garimpadas”, afirmou.
No entanto, o presidente não aprofundou as medidas necessárias para alcançar essa meta, que vai além da retirada dos garimpeiros.
A Repórter Brasil vem mostrando que a cadeia do ouro ilegal se estende para além dos danos ambientais e humanitários nas terras indígenas, envolvendo diversos intermediários até chegar em grandes empresas, como Google, Apple, Microsoft e Amazon.
Além disso, as chamadas DTVMS – únicas autorizadas pelo Banco Central a comprar ouro de garimpo no país – são pouco fiscalizadas. Três das maiores DTVMs brasileiras são acusadas pelo Ministério Público do Pará de estarem não apenas envolvidas no crime, mas também “lavando” esses recursos. Ou seja, atuam para fraudar a origem do ouro ilegal, segundo os procuradores.
“A gente nem sabe o quanto se extrai de ouro, para onde vai esse ouro, e as pessoas que estão no garimpo eu acho que são as menos culpadas. O mais culpado é quem financia isso, é quem manda o helicóptero, quem manda o avião, quem recebe esse ouro e vai lavar ele na bolsa em São Paulo”, disse Lula.
O garimpo ilegal avançou durante a presidência de Jair Bolsonaro (PL), que, além de incentivar a ocupação de áreas de conservação, enfraqueceu órgãos de fiscalização e descumpriu ordens judiciais de retiradas dos garimpeiros.
Na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, onde os forasteiros buscam ouro e cassiterita, a destruição causada pelo garimpo triplicou em apenas quatro anos de governo Bolsonaro. Até outubro de 2018, os indígenas da Hutukara Associação Yanomami calculavam em 1.236 hectares a área devastada pelo garimpo. Já entre 2019 e 2022, a devastação atingiu 3.817 hectares, sendo a maior parte no ano passado, quando foram devastados 1.782 hectares.