“O que lemos como queda de popularidade e aumento da desaprovação foi resultado de uma convergência peculiar, mas não inédita, de media-settings (agendamento) com a manipulação de algoritmos, já usada na mobilização pro-impeachment em 2016”

Por Chico Cavalcante, compartilhado de Fórum

Em uma conjuntura global adversa para a esquerda e diante do avanço paulatino da extrema-direita em vários países, a divulgação de pesquisas indicando uma queda na aprovação do governo Lula e na avaliação pessoal do presidente teve o impacto de um abalo sísmico, mesmo diante de um cenário nacional de recuperação da economia, do retorno dos investimentos em infraestrutura, da atração de capital estrangeiro e da robusta geração de empregos.

Nas fissuras do abalo, o pântano político que Lula herdou de Bolsonaro impõe ao governo uma agenda marcada por chantagens e barganhas com um Congresso dominado por velhas e novas raposas. Sem um acordo sólido com os partidos, que agora se agrupam em blocos dispersos, resta ao governo negociar no varejo, diante do recorrente surgimento de novos grupos de interesses a cada votação.

No meio econômico, o mercado especulativo e o agronegócio, que permaneceram inertes aos tropeços e descaminhos do governo anterior, agora prometem sempre nova investida contra o governo que classificam como “inimigo do livre mercado”.

Na mídia, as manchetes e chamadas alarmistas inventam novas crises a cada novo plantão, ao mesmo tempo em que analistas de viés conservador opinam que o governo está se inclinando excessivamente para a esquerda e acusam o presidente de agir com voluntarismo. Exageram, por exemplo, ao apontar as posições de Lula em relação aos trágicos eventos em Gaza como prova de um suposto descompasso do Brasil com “o mundo”.

À sombra dos números das pesquisas e dos ataques simultâneos se ergue um debate: o que aconteceu para que o governo colhesse números tão amargos?

Lideranças pró-Lula e movimentos sociais clamam por mobilizações e se apressam em apontar a origem da questão no suposto afastamento do governo da pauta de esquerda, acusando Lula e seus ministros de estarem reféns do Centrão e do mercado e de constituírem “um governo que parece desprovido de um projeto de futuro”.

Os conselheiros do presidente, por sua vez, se dividem entre os que defendem uma conciliação com o agronegócio, de um lado, e com as corporações evangélicas, de outro, buscando uma retórica que dialogue com o conservadorismo de palanque representado pelos pastores de mercado e com o insaciável apetite do agro por subsídios federais.

Já os influencers progressistas, amplamente presentes nas redes e na nova mídia, atribuem os resultados adversos a falhas na publicidade: a população não reconhece as conquistas alcançadas porque não estão sendo devidamente anunciadas, ou estão sendo anunciadas de forma inadequada.

A solução apontada pelo gerente de marketing de Lula, Sidónio Palmeira, seria aumentar a visita do presidente aos estados, se aproximar dos evangélicos e levar ministros para a inauguração de obras. Tão insuficiente quanto exorcizar demônios com água benta.

A síntese de diferentes hipóteses que se apresentam aqui nos levaria a um beco saída. Se Lula der uma guinada à direita – inclusive na pauta de costumes – ele se isola da base social e intelectual que sustentou a resistência ao governo passado. Se fizer o giro à esquerda, agitando por mobilizações para confrontar os apoiadores de Bolsonaro, empresta sua força a eles e perde o equilíbrio institucional, aprofundando a polarização, que é o bunker úmido onde os setores reacionários se abrigam e proliferam. Se apenas aumentar sua visita aos estados, antecipa um clima de campanha em um momento onde, nacionalmente, a base do governo se divide entre distintos candidatos nas cidades.

Para jogar luz sobre a pesquisa de agora talvez tenhamos que rever outra pesquisa, aquela feita pela Universidade de Oxford e que já se tornou de conhecimento público. O minucioso estudo detalha como organizações do mundo inteiro manipulam a opinião pública, intensificando campanhas de desinformação principalmente “durante eleições ou crises de confiança no governo”, desestabilizando sociedades, polarizando opiniões e derrubando governantes.

A tempestade perfeita sob a qual Lula se encontra, portanto, não deve ser vista como fruto do mero movimento dos ventos, tendo em vista o jogo articulado que incluiu o apagamento das conquistas econômicas do governo na mídia, a sistemática e reiterada condenação de Lula por sua solidariedade ao povo palestino, a reorganização da retórica anti-Lula em templos e igrejas e a farta cobertura jornalística que colou no ato pro-anistia de golpistas na Avenida Paulista o rotulo de “demonstração de força da oposição” e, inversamente, de fraqueza do governo. 

A sobreposição dessas vertentes simultâneas produziu um eclipse de posicionamento, que foi reverberado nas redes sociais, em particular  nos aplicativos de mensagem, tendo um alcance impossível de ser efetivamente medido. O efeito multiplicador chega a dezenas de milhões de pessoas.

Estamos diante de uma opinião minuciosamente construída. Os números desfavoráveis resultaram de uma ação de guerra híbrida – a modalidade contemporânea de luta política baseada na desestabilização continuada de regimes e governos através das redes sociais e da imprensa. Uma tática que reforça a predisposição dos algoritmos à desinformação, contribuindo para o agravamento da polarização e gerando um círculo vicioso que estressa a opinião pública e a empurra em direção a soluções simplistas para os problemas complexos da sociedade e da economia, ou seja, para a direita.

O que lemos como queda de popularidade e aumento da desaprovação foi resultado de uma convergência peculiar, mas não inédita, de media-settings (agendamento) com a manipulação de algoritmos, já usada na mobilização pro-impeachment em 2016. E essa é uma batalha que continuaremos a perder enquanto não encararmos a sua existência real.

É óbvio que investir na melhoria efetiva das condições de vida da população e na mobilização da opinião progressista são tarefas que precisam ser cumpridas. No entanto, o problema central de imagem e posicionamento do governo segue sendo sua comunicação política – ou seja, a ausência de uma comunicação que se apresente e fale como autoridade política. 

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum