René Ruschel, jornalista
A demissão do general Júlio César de Arruda no comando do Exército em menos de trinta dias de governo foi um golpe ao fascismo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou às Forças Armadas e a quem interessar possa que seu governo tem rumo, sabe o que quer e não vai abrir mão do Estado Democrático de Direito.
Ao contrário de Arruda, o breve, que, embora indicado por Lula, foi designado para função ainda no período da transição de governo pelo ex-capitão para acalmar os ânimos dos quartéis. Desta vez a escolha do general Tomás Miguel Ribeiro Paiva deu-se sob outros critérios.
Ainda que ninguém admita, o nome do ex-comandante foi uma espécie de arranjo político para não ferir a caserna nem a suscetibilidade dos militares. Aliás, a escolha do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, PTB, para servir de algodão entre cristais foi uma demonstração que Lula topava engolir sapos em nome da governabilidade e da paz social.
Seu partido não faz parte da base aliada do governo, teve como candidato à presidência da República em 2022 o folclórico padre Kelmon e no segundo turno apoiou Bolsonaro. Mas uma luz amarela acendeu no fatídico domingo de 8 de janeiro quando a horda de delinquentes invadiu a Praça dos Três Poderes para destruir os símbolos do poder verde-amarelo – o Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.
No dia seguinte Lula mexeu as pedras no tabuleiro e numa jogada de mestre deu o xeque-mate no jogo político. Recebeu governadores, ministros do STF e os presidentes da Câmara e Senado para uma reunião em Brasília. Á noite, ao descer a rampa do Planalto acompanhado pelos convivas, inclusive governadores bolsonaristas, o ex-torneiro mecânico mostrou força e liderança.
Foi quando decidiu conter o mal pela raiz. Não havia mais tempo de espera. Em cinco dias demitiu oitenta militares que tinham cargo no governo do ex-capitão e exigiu de Arruda o cancelamento da nomeação do tenente-coronel e ajudante de ordens do ex-presidente trânsfuga, Mauro Cesar Barbosa Cid, sub judice e nomeado para o Comando do Batalhão de Ações e Comando, em Goiânia, GO.
O general não entendeu ou não acatou a ordem. Foi a gota d’água para provocar sua queda. O Forte Apache, quartel-general do Exército, foi surpreendido com a noticia, mas não reagiu.
Setenta e duas horas antes de receber o convite, o general Tomás Paiva fez um discurso à tropa do Comando Militar do Sudoeste onde defendeu a democracia, a alternância de poder e o respeito ao resultado das urnas. “Não interessa quem está no comando [do País], a gente vai cumprir a missão do mesmo jeito. Isso é ser militar. É não ter corrente. (…) Democracia pressupõe liberdade, garantias individuais, políticas públicas e também é o regime do povo, alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna. Não interessa, tem que respeitar, é isso que se faz” afirmou.
Do espólio militar bolsonarista sobraram as vivandeiras do apocalipse, entre elas os gaúchos Sérgio Etchegoyen e o recém-eleito senador Hamilton Mourão, generais de pijamas órfãos do poder e críticos à decisão de Lula.
O ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, se encarregou de responder a Mourão pelas redes sociais. “Ora, ora, senhor Hamilton Mourão. Poupe-nos da sua hipocrisia, do seu reacionarismo, da sua cegueira deliberada e do seu facciosismo político! Fatos são fatos!” escreveu. A carapuça serve à Etchegoyen.
Enquanto o capital político de Lula cresce, o do ex-capitão desidrata. Se havia dúvidas quanto à capacidade do ex-presidente liderar a oposição, agora até as emas do Alvorada reconhecem sua incompetência. Um de seus maiores equívocos foi ter fugido do País abandonando os “patriotas” ao relento.
Depois, veio o terrorismo de 8 de janeiro, os pagamentos suspeitos com cartões corporativos e o genocídio dos índios ianomâmis. Não bastasse, ainda responde por quatro inquéritos no STF e quinze outros no TSE. E os processos estão só começando. O “mito” vive seus piores dias.