Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Facebook –
Nunca fui amigo de Lula. Sequer entrei alguma vez em sua casa. Mas, por experiência profissional, o conheço relativamente bem. Durante uns 7 ou 8 anos cobri o PT para a Folha de S.Paulo. Não era fácil. Os petistas, naquela época (antes de Lula assumir a Presidência da República) mantinham com a Folha uma relação de ódio e amor. Era o jornal mais plural e, ao mesmo tempo, o que cobria mais atentamente as atividades do partido. E a Folha tinha pavor de ser confundida com o PT.
Daí, embora na ocasião isso fosse regra na cobertura de tudo, o rigor crítico como PT e Lula era maior. Justiça seja feita, nunca recebi da direção da Folha uma ordem sequer para forçar a barra, inventar qualquer coisa.
Eram tempos de um PT diferente. As correntes internas eram mais claras e ideológicas. Dei sorte e, por conhecer o modus operandi das tendências, me sai bem. O leitor da Folha era, sem hipócrita falsa modéstia, o melhor informado sobre o que rolava com Lula e seu partido. Por não confundir Jornalismo com militância ou preferência partidária, não estava entre os poucos jornalistas com que Lula falava com exclusividade.
Ao contrário, certa vez numa reunião da Executiva da agremiação Lula determinou que ninguém poderia falar comigo. “O Cadu tem que parar de pautar o PT”. Lula sabia que o que saia na Folha sobre as brigas internas era fato e tinha pavor que se passasse a imagem real, de um partido dividido.
Na mesma reunião, Lula revelou espanto e queria saber como eu conseguia antecipar tudo que rolava ali. O veto a mim resultou inútil. Continuei fazendo um acompanhamento jornalístico crítico e honesto. E entendo a preocupação de Lula na ocasião: como na Lei de Lúcio Flávio adaptada, existe uma divisória entre Jornalismo independente e quem é retratado.
Deixei as Redações e acompanhei de fora os governos Lula. Nunca mais tive contato com ele. Vi de longe a inegável inclusão social proporcionada por suas administrações e a consolidação de Lula como o maior e único líder popular do Brasil depois da redemocratização. Não me lembro se no primeiro ou segundo mandato dele, fui a um evento, acompanhando profissionalmente uma pessoa, em que estava o presidente da República.
Sou tímido fora do exercício profissional e fiquei distante da pequena multidão que cercava Lula, formada basicamente por empresários que o bajulavam. Estava longe e, de repente, ouço aquela voz inconfundível: “Cadu, Cadu. Você aqui, meu velho? Vem cá que quero te dar um abraço”. Os seguranças da Presidência abriram o cordão que nos separava e fui, morrendo de vergonha diz quem viu a cena, cumprimentar o presidente. O homem abraça forte. No meu ouvido, disse uma frase que carrego como diploma. “Você era chato pra cacete quando cobria o PT, eu ficava puto, mas você nunca inventou nada. Era honesto”.
Na sequência, enquanto os bacanas que esperavam a vez de dar uma puxadinha de saco deviam perguntar quem era aquele desconhecido que está falando tanto com o presidente da República, Lula me perguntou sobre um filho fruto de um casamento que tive com uma moça de uma família amiga dele. Lula é assim, surpreendente nas relações com as pessoas, diferente de quase todos os políticos.
Nunca mais falei com Lula. Avalio hoje que seu governo teve erros, principalmente na política de alianças (talvez indispensáveis, sei lá), mas tenho certeza, por não brigar com números, que jamais houve, ao menos na recente História do Brasil, quem incluiu tantos pobres no nível mínimo de dignidade e cidadania. É isso que a elite conservadora, que em muitos casos descambou para o surto recente de fascismo, nunca perdoou. Existe um ódio de classe. A resposta é a idolatria, principalmente no Nordeste tão necessitado, de milhões de sofredores desconhecidos por paneleiros da classe média tão atrasada.
Lula não está sendo preso por causa de um processo capenga, recordista de velocidade e sem provas. É o símbolo agudo da disputa de classes, É vítima física das virtudes de sua administração.
Lula está sendo encarcerado pela necessidade de se sequestrar a ideia de um país MINIMAMENTE justo. Aqui de longe, na limitação de quem tem apenas na lida com as palavras a possibilidade de comunicação, queria retribuir aquele abraço de anos atrás. É pouco, eu sei, mas é o que posso.
Lula, você era duro pra cacete comigo, mas o que importa são as ações que o transformaram no maior líder popular do País. Abraço, Lula.
Carlos Eduardo Alves