Lula e o longo retorno

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Por Henrique Fontana, publicado em Jornal GGN – 

Quando finalmente, no dia 20 de novembro de 1695, Zumbi foi morto e sua cabeça exposta à execração pública, e o quilombo de Palmares já havia sido totalmente destruído pelo bandeirante Domingos Jorge Velho – pago, armado e ordenado pelo império português – o longo caminho de volta às senzalas percorreria quase 200 anos de escravidão.

Foto Ricardo Stuckert

Das imagens que perseguem a história do Brasil, algumas se repetem como tragédia. E a realidade brasileira atual nos permite escolher muitas, mas esta, em especial, vem à memória.




Zumbi era o homem que povoava o imaginário dos escravizados e assombrava os senhores de engenho. Liderava o quilombo dos Palmares, na Capitania de Pernambuco, em pleno Brasil colônia, representando a esperança de milhares de negras e negros acorrentados. Acusado pela Ordem de subversão, e pela oligarquia nativa de despótico e escravista, Zumbi resistiu na luta pela liberdade. Certamente não era perfeito, nem infalível, era humano, afinal.

Mas Zumbi não era só Zumbi, seu nome transcendia a própria existência física, e se ligava ao sentido de esperança para tantas vidas amortecidas pelo cotidiano de violência e à ausência de futuro. Zumbi era a presença real da resistência à indigna condição da vida sob grilhões e chibatas.

A luta não terminou ali, por certo. Mas quando o império de Portugal, com a colaboração dos senhores brancos locais, proclamou a vitória e restabeleceu seu domínio absoluto sobre as terras brasileiras, a sorte de milhares de escravizados estava lançada, e o retorno seria ainda mais violento. Era preciso matar Zumbi para restabelecer a Ordem do colonizador.

Lula não é só Lula.

Seu nome se liga à ideia de resistência popular, à esquerda democrática e libertária contra a ditadura, à luta pelos direitos dos trabalhadores, ao tempo em que foi possível mudar o rumo das coisas e imaginar um destino melhor para o Brasil, profundo e esquecido, secularmente governado por uma elite conservadora e predatória. Tempo no qual mais de 30 milhões de brasileiros deixaram para trás uma história de fome, miséria e exploração, e passaram a trabalhar, comer, morar, estudar, consultar. De coisas aparentemente simples, como os dentes novos no país dos desdentados, até fazer o Brasil deixar de ser um devedor no mundo.

Evidentemente, não é um messias, nem infalível, nem perfeito, é humano, afinal.

Na exceção do domínio colonial, Zumbi acusado de tantos crimes, mas especialmente pela audácia de enfrentar o império contra a escravidão, não teve direito sequer a um julgamento fraudado. Na exceção do golpe, Lula terá direito apenas a um teatro de aparências, para sentenças já anunciadas – sem provas, sem vídeos, sem gravações, sem malas, sem escrúpulos. E cujas razões se localizam, em boa parte, fora das fronteiras nacionais. O que pretendem os que com tamanha dedicação querem atingir Lula, com a colaboração dos suspeitos de sempre – “pagos, armados e ordenados” pelo novo colonizador, o mercado financeiro global contra o país insubmisso – se não dobrar a espinha moral e o próprio significado histórico de uma liderança popular do nosso tempo? Não são poucos os que se oferecem ao papel do bandeirante Domingos. É preciso destruir Lula para restaurar a “Ordem”, proclamam. Sem revelar o que de fato defendem, a ordem dos mercados e dos privilégios dos de cima.

Se finalmente um dia Lula for destruído pela moderna oligarquia capitalista brasileira, associada aos interesses internacionais inconfessos, restará saber como será o longo retorno da gente pobre, negra e excluída deste país. Certamente um percurso mais sombrio e violento, que já se revela, no pouco mais de um ano do golpe de 2016, nos direitos perdidos, no patrimônio vendido, nas riquezas entregues, nas matas rasgadas, nas reservas invadidas, na intolerância latente, na corrupção autorizada.

Lula não é só Lula, e o Brasil não será melhor sem ele. Nem será melhor se novamente virar as costas para sua gente, se a democracia for tutelada, se, no longo retorno, esquecermos que é possível construir um outro futuro.

Henrique Fontana, deputado federal (PT-RS)

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