Lula escolhe música e fala de futebol, crise e candidatura

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Por Vitor Nuzzi, da RBA – 

Ex-presidente ironiza Temer, diz não ter medo da Lava Jato e conta que vai enfrentar Chico Buarque no futebol. Não crava candidatura em 2018, mas diz: “Se um dia eu voltar a governar este país…”




Lula dá entrevista para rádio
Lula ironizou o atual presidente: “O que eu tinha de ruim/péssimo é o que o Temer tem de bom hoje”

São Paulo – Durante duas horas, das 12h às 14h de hoje (22), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva escapou da pauta política para falar de música e futebol, mas não se furtou a falar da Operação Lava Jato e de seu iminente julgamento. Ao mesmo tempo em que anunciou que vai enfrentar Chico Buarque em um campo de futebol do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), deu indiretas quanto a uma possível candidatura em 2018. “Se eu voltar a governar este país”, disse mais de uma vez. A entrevista, para o programa Hora do Rango, da Rádio Brasil Atual, teve uma diversificada seleção musical, escolhida pelo próprio Lula (confira no destaque).

A primeira música foi A Vida do Viajante, composição de Hervé Cordovil e Luiz Gonzaga (“Minha vida é andar por este país/ Pra ver se um dia descanso feliz”), cantada pelo próprio Gonzagão e por seu filho Gonzaguinha, e que o ex-presidente usou em campanha presidencial. Eram do “rei do baião” as canções que Lula escutava quando pequeno, ainda no interior de Pernambuco. “(O rádio) Tinha mais chiadeira que música, na verdade”, lembrou. A campanha poderia ter como “trilha sonora” Triste Partida, de Patativa do Assaré (“Falaria mais com o povo”), mas foi descartada por ser muito longa.

O mote da música faz o entrevistador, o jornalista Oswaldo Luiz Colibri Vitta, perguntar se Lula vai retomar as caravanas, andar pelo país. “Eu descobri na eleição de 1989 que os políticos não conhecem o Brasil. Resolvi conhecer nas suas entranhas”, diz o ex-presidente, para quem as pessoas, na região centro-sul, não têm conhecimento da diversidade brasileira. “Foi isso que me deu a garantia de que a solução para os problemas do país era mais fácil do que a elite falou durante 500 anos. (Era preciso) colocar o povo no orçamento.”

Disposição para “cuidar do povo”

O entrevistador insiste: o senhor vai voltar a fazer caravana? Lula respondeu com outra história, lembrando que em janeiro de 2003, no primeiro mês de seu mandato, levou ministros para conhecer regiões pobres do Nordeste e do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. “Não se pode governar a partir do palácio. Se eu voltar a governar este país, ia fazer a cada seis meses os ministros percorrerem este país, para ver os problemas na raiz. A pobreza voltou ao Brasil. Isso não se resolve com polícia, se resolve com política social, as instituições, a igreja.”

Candidato ou não? “Sempre lembro que tenho 71 anos”, diz Lula, que completará 72 em outubro. Mesmo admitindo que a qualquer momento “um parafuso” pode estar mais gasto, ele afirma ter disposição “de provar que este país precisa de alguém que saiba cuidar do povo”. Reage a quem o critica por um possível viés consumista de sua política: “Eu não fiz opção pela miséria, fiz a opção de ajudar os pobres”. E diz que em seu governo houve algum crescimento, “ainda pequeno”, da participação dos mais pobres na renda nacional. Defende o estímulo ao consumo, com melhor remuneração dos trabalhadores. “Isso não é discurso esquerdista, Henry Ford que dizia.”

Para o ex-presidente, o país está diante de um golpe, “empobrecido, injuriado perante o mundo”, que antes respeitava o Brasil. A sociedade também está “raivosa”, acrescenta, “como se corintiano e palmeirense, cada vez que se encontrassem, tivessem de sair na porrada”. Em seguida, conta que nos tempos de Vila Carioca, região do Ipiranga, em São Paulo, foi várias vezes a estádios de futebol com amigos torcedores de outros times.

A entrevista resvala para a Lava Jato. Lula diz que “os meninos” da Operação não vão destruir a sua imagem. “Vou até as últimas consequência para provar a minha inocência. Vou brigar. Se eles acham que os políticos têm medo, eu não tenho”, afirma. Mais adiante, volta a falar do assunto, falando de sua expectativa sobre o julgamento. “Acho que a peça de acusação não será levada a sério por ninguém, espero que não seja levada a sério pelo (juiz Sérgio) Moro.”

Sou investigado há 30 anos

Ele diz estar tranquilo, mas critica o fato de as pessoas serem “criminalizadas pelas manchetes dos jornais”. Acrescenta que “quem quer fazer  justiça não pode submeter seu comportamento aos meios de comunicação”. “Eu desafio eles, inclusive a Rede Globo, a provar um centavo errado da minha vida”, diz o ex-presidente. Segundo ele, não é Lula quem está sendo julgado, mas “o que deu certo” no Brasil. Afirma que saiu do governo com avaliação positiva e faz ironia sobre o atual presidente: “O que eu tinha de ruim/péssimo é o que o Temer tem de bom hoje”.

Lula diz ser investigado há 30 anos. Recorda que, na época das greves do final dos anos 1970 e início dos 1980, o então ministro do Trabalho Murillo Macedo mandou fazer “uma devassa” em suas contas na gestão do Sindicato dos Metalúrgicos e não achou nada. “(Investigaram) A minha vida, da minha mulher, do meu filho… Agora, talvez, da minha bisneta, que tem quatro meses”, reclama, reservando outra ironia ao PSDB: “Fizeram meia investigação nos tucanos, parece que foi uma rajada de metralhadora”.

A conversa volta para o futebol. Lula conta que vai jogar contra Chico Buarque no campo da Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, interior paulista, no final do mês que vem. Será a inauguração do campo Dr. Sócrates Brasileiro, homenagem ao ídolo corintiano. Além deles, também foi convidado o ex-jogador argentino Diego Maradona. O projeto está sendo feito com trabalho voluntário e financiamento coletivo.

Chico e Caetano

“Pretendo jogar. Estou me preparando para isso”, diz Lula, revelando ter feito uma infiltração na última terça-feira. “Se eu estiver cansado, posso jogar atrás. Se estiver disposto, posso jogar na frente”, adianta. O ex-presidente lembra do historiador Sérgio Buarque de Holanda, pai de Chico, um dos signatários da ata de fundação do PT, em 1980, e de dona Maria Amélia, mãe do compositor e escritor: “Mulher extraordinária. O primeiro cheque que ela recebeu de pensão do Sérgio ela doou para o PT”.

Lula considera Chico Buarque “o mais importante gênio que este país conseguiu produzir”. Escolhe Apesar de Você, de 1970, a única música que Chico admite ter sido feita explicitamente contra a ditadura. Para o ex-presidente, a canção vale para os dias de hoje, quando o país vive sob um “Estado quase policial”.

Ele afirma que a admiração artística independe de opção política. Observa que Caetano Veloso tem posicionamento crítico em relação ao PT, enquanto a mãe do compositor, dona Canô, era “uma petista inveterada”. “Se não é do PT, paciência. Se não é corintiano, paciência. Gosto independentemente da posição política”, afirma. Lula conta ter se tornado torcedor do Corinthians com o título obtido pelo time paulista no quarto centenário de São Paulo, em 1954, dois anos depois de ele chegar com a mãe e irmãos, vindos de Pernambuco.

“Acho que foi o clima do quarto centenário. E foi ainda contra o Palmeiras, melhor ainda”, arremata o ex-presidente, para quem futebol e música, no Brasil, são possibilidades de ascensão social. Lula lembra de Zeca Pagodinho, “o maior pagodeiro do Brasil”, que teria sido esquecido na época do axé. Conta que o compositor de Xerém, no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, tem “medo de alma”. E escolhe Ser Humano, de Arlindo Cruz, cantada por Zeca. “Eu acho extraordinária.”

“Eu tenho lado”

Depois da música, o ex-presidente irá criticar pessoas que se dedicam a espalhar falsas notícias nas redes sociais. A outra pergunta de Colibri sobre sua facilidade de comunicação, atribui sua oratória a uma “experiência de sobrevivência na porta da fábrica”, recordando seus primeiros passos como sindicalista na região do ABC. “Eu tenho lado, eu sei de onde eu vim”, diz, antes de pedir outra canção, a mais conhecida do repertório do compositor e cientista Paulo Vanzolini, Volta por Cima.

“Esta música retrata… O ser humano não tem nenhuma razão de perder a esperança”, comenta Lula, lembrando de sua mãe, dona Lindu. “Você não via ela desanimar”. Ele escolhe a interpretação de Beth Carvalho, “marcadamente brizolista, mas sobretudo de um comportamento democrático extraordinário”. E acrescenta que não há solução fora da política. “A democracia vai aperfeiçoar o sistema político”. Diz que o povo tem a chance de mudar seus governantes periodicamente. “Se fosse rei, não mudava nunca, só quando morresse. E se fosse ruim demorava mais para morrer.”

A rádio põe no ar perguntas, entre outros, do novo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, do ex-presidente Rafael Marques, da presidenta eleita do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Ivone Silva, e da presidenta reeleita do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel. Lula afirma que o atual movimento sindical “tem mais competência técnica, tem propostas, elabora melhor” e é um “alicerce da democracia”, com a responsabilidade de atuar para que o país volte a crescer.

Lula ainda fala do comportamento humano, criticando o que considera uso excessivo do celular. Critica um político, sem citar o nome, que teria cinco ou seis aparelhos: “O cara só tem duas orelhas”. Reclama que as pessoas hoje em dia fazem tudo por telefone, até sexo, perdendo o contato umas com as outras. “O ser humano começou a ficar estranho.”

O ex-presidente defende o PT, cuja formação considera “sem similar” no mundo, pela criação a partir do movimento sindical. Afirma ter decidido criar um partido político ao constatar que a ação sindical tinha limites. Critica “aqueles que mentiram para o Brasil, que disseram que o problema do Brasil era a Dilma e deram o golpe, estão deixando o Brasil pior”. Ele diz “estar apanhando pouco diante do que o povo está apanhando”.

Já quase no final do programa, ao recordar da campanha para governador em 1982, cantarola, timidamente, trechos de Massa Falida, da dupla Duduca e Dalvan, um goiano e outro paranaense: “Não aborte os seus ideais/ No ventre da covardia/ Vá à luta empunhando a verdade/ Que a liberdade não é utopia”.

Algumas músicas previamente escolhidas ficam de fora: O Mar Serenou, de Candeia, com Clara Nunes; O Trem das 7, de Raul Seixas; e Disparada (Geraldo Vandré e Theo de Barros). Mas Lula anuncia canções como Paraíso das Hienas (Accioly Neto), cantada por Jessé, de quem diz ter sido amigo, e uma de Gonzaguinha, que ele quis homenagear, lembrando de sua presença em shows de apoio a greves. Ele e Colibri recordam que os dois artistas morreram em acidentes automobilísticos.

Como um locutor, Lula dirige-se ao ouvinte: “Preste um minuto de atenção. Abra o seu coração para ouvir uma das mais belas músicas que este país já produziu”. É a deixa para O que é, o que é.

 

A “playlist” de Lula


A Vida do Viajante (Hervé Cordovil e Luiz Gonzaga) Gonzagão e Gonzaguinha

Apesar de Você (Chico Buarque) Chico Buarque

Ser Humano (Arlindo Cruz) Zeca Pagodinho

Volta por Cima (Paulo Vanzolini) Beth Carvalho

Paraíso das Hienas (Accioly Neto) Jessé

O que é, O que é (Gonzaguinha) Gonzaguinha

Massa Falida (Duduca e Dalvan) Duduca e Dalvan

Rap da Felicidade (MC Júnior e Leonardo) Cidinho e Doca

Não entraram no programa:

O Trem das 7 (Raul Seixas) Raul Seixas

O Mar Serenou (Candeia) Clara Nunes

Disparada (Geraldo Vandré e Theo de Barros) Jair Rodrigues

Abaixo, a íntegra da entrevista de Lula:

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