Publicado em Opera Mundi –
Ex-presidente, preso há um ano em Curitiba, enviou carta ao jornal francês L’Humanité, que a publicou nesta segunda-feira, 8 de abril
Desde então, o Brasil atravessa um dos momentos mais críticos da sua história. O processo de desenvolvimento com inclusão social iniciado em 2003, que suscitou tamanha admiração ao redor do planeta, foi violentamente interrompido. Este país que salvou milhões de pessoas da extrema pobreza, que se saiu do mapa mundial da fome pela primeira vez em 500 anos, que exportou políticas sociais bem sucedidas no continente africano, que mantinha um diálogo igual com as maiores potências do mundo e que lutou pela paz entre os povos é hoje o seu exato oposto.
Estou preso desde 7 de abril de 2018, sem provas de qualquer crime cometido. A minha vida e a da minha família foram devastadas. A minha residência foi invadida e revistada pela polícia. Anos e anos de inquéritos ferozes não encontraram nas minhas contas um centavo suspeito, cuja origem não pode ser provada, nenhuma evolução patrimonial incompatível com o fruto do meu trabalho. Sem iates, mansões particulares cinematográficas, sacos de dinheiro, contas secretas: Nada. Mesmo depois de ser presidente, voltei a viver no mesmo apartamento desprovido de luxo na região metropolitana de São Paulo.
Fui condenado e preso por “atos não especificados”, uma bizarrice jurídica que não existe no direito penal brasileiro. Apresentei uma abundância de documentos provando minha inocência. Os meus acusadores, por outro lado, não encontraram nenhuma prova contra mim.
Faz um ano que estou preso em isolamento, não autorizado a dar entrevistas. Fui impedido de me candidatar na eleição presidencial de 2018, quando todas as sondagens de opinião indicavam que eu estava na liderança. Abria-se o caminho, então, para a vitória do candidato da extrema direita, que ficou famoso pelo seu discurso racista, homofóbico e misógino, bem como para a defesa sem compromisso da tortura e do regime totalitário criado no Brasil pelo golpe de Estado militar e civil de 1964.
O juiz de primeira instância que tinha cometido tantas injustiças e que me condenou sem provas foi promovido ao cargo de ministro da Justiça do novo governo. Ele é o superior hierárquico da minha prisão, o que seria impensável no estado de direito constitucional e democrático. O atual presidente, eleito com base na divulgação maciça de informações falsa – mesmo tática recentemente utilizada em outros países – acelerou o desmantelamento da política de proteção social colocada em cena desde a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder em 2003.
As políticas públicas que associam o desenvolvimento econômico e a justiça social foram abandonadas. Os direitos históricos do trabalho são revogados. As desigualdades sociais se aprofundam. Milhões de pessoas foram empurradas para a extrema pobreza. O número de desempregados ultrapassa a barreira dos 13 milhões. A fome e a mortalidade infantil estão de volta. A busca do diálogo e da paz foi substituída pelo discurso e pela prática do ódio e da intolerância. O Brasil sangra.
Neste momento de grande dor, causado não somente pelas injustiças cometidas contra mim, mas, acima de tudo, pelas graves ameaças que pesam sobre a democracia e os sofrimentos impostos a nosso povo, quero agradecer às expressões de solidariedade que me chegam do mundo inteiro. E reafirmar que nós não abandonaremos a luta até que o Brasil e os brasileiros estejam felizes novamente.
(*) Publicado originalmente em L’Humanité