Lula semiaberto deveria ser “Lula Livre”

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Por Luís Carlos Valois, publicado em Jornal GGN – 

“A última indagação que resta nessa celeuma toda é a da tal impunidade. Não seria impunidade o preso estar em casa quando devia estar na prisão de regime semiaberto?”

Lula e multidão. Foto: Ricardo Stuckert

Uma das coisas mais incompreendidas no direito, inclusive por profissionais do ramo, é o regime semiaberto. Há livros inteiros falando sobre esse regime sem explicar a sua origem, sua razão de ser, o que significa que o autor sabe que existe, mas não sabe o porquê.

Bem, o regime semiaberto brasileiro nasce como resultado da ideia de ressocialização, o que está bem claro na Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984, onde se lê que as penas deviam ser mais longas para que houvesse a ressocialização do preso e, dentro desse curso de cumprimento de pena, estaria o semiaberto.




Aliás, nem precisava o legislador falar, pois qualquer avaliação das penas das Ordenações Filipinas, do Código Penal do Império, verá que as penas, outrora, eram bem menores do que as que temos hoje. Ou seja, não havia semiaberto, mas havia penas de curta duração, de trinta dias, sessenta dias, de prisão.

Hoje em dia a ideia de ressocialização tem se deteriorado, não só no Brasil, onde sempre há a desculpa de que não se ressocializa por causa das condições das prisões, mas no mundo inteiro a ideia de ressocialização perdeu quem por ela ainda tinha alguma fé, posto que, não dá para ensinar alguém a viver em sociedade, longe da sociedade.

No entanto, o semiaberto continua lá na lei, como direito do preso. “Direito”, vejam bem, pois apesar de uns e outros chamarem de benefício, é direito. Está na lei, é direito.

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E deve estar na lei mesmo, porque se as penas hoje são de dez, vinte anos, e são tão longas porque em uma época se acreditou na ressocialização, não há como retirar hoje o semiaberto e manter as penas que se aplicam hoje. Repito, elas só são tão longas porque há o semiaberto, que serviria como um estímulo ao bom comportamento do preso.

Mas, e Lula. Óbvio que estou falando do semiaberto porque o Ministério Público Federal solicitou o semiaberto para o ex-presidente e há o debate se ele pode recusar o direito ao semiaberto ou não. Se ele pode, por exemplo, ser posto em liberdade mediante tornozeleira eletrônica.

Primeiramente, gostaria de deixar registrada aqui a minha admiração, porque o Ministério Público solicitar progressão de preso no Brasil é raro, para não dizer impossível de se ver em 99% dos casos dos presos pobres e miseráveis que lotam as penitenciárias brasileiras.

Voltando ao ex-presidente, é claro que ele pode recusar o semiaberto. Semiaberto é direito e, mesmo que fosse benefício, ninguém é obrigado a aceitar benefício de ninguém. Concedido quando o preso tem bom comportamento, se o preso não quiser o semiaberto, o Estado não pode obrigar o condenado a cumprir pena nesse novo regime.

Seria um absurdo o contrário, pois o preso que não quisesse ir para o semiaberto estaria sendo obrigado pelo Estado a apresentar mal comportamento e assim permanecer no regime fechado. E não é só pela cabeça do ex-presidente que passa a ideia de recusar o semiaberto, vários presos já vi que recusarem o semiaberto porque tinham medo de, saindo do estabelecimento penal e tendo que voltar todo dia, fossem mortos por inimigos antigos do crime ou pela polícia.

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E a tornozeleira, a tornozeleira tem sido um instrumento utilizado pelo Judiciário para manter a vigilância de presos que vão para o regime semiaberto quando não há o estabelecimento penal específico para esse regime que, pela Lei de Execução Penal, deveria ser uma Colônia Agrícola ou Industrial.

Entendo que, não estando na lei a tornozeleira como obrigatória no regime semiaberto, nem o Judiciário nem a administração penitenciária poderiam obrigar qualquer preso a usar esse mecanismo eletrônico, talvez não tanto quanto a prisão, mas evidentemente estigmatizante.

Então, no caso de ausência de estabelecimento penal, ou seja, não existindo a Colônia Agrícola, há que se colocar o apenado em prisão domiciliar, sem a tornozeleira eletrônica, pois não cabe ao Judiciário inventar punição ou adaptar forma de cumprimento de pena não prevista em lei, o que fere frontalmente o princípio constitucional da legalidade, o qual, para quem não lembra, diz que “não há pena sem prévia previsão legal”.

Nesse caso, no caso da tornozeleira eletrônica, além de o preso poder recusar o semiaberto com essa condição, sequer deveria passar pela imaginação do Judiciário criar uma forma de cumprimento de pena que não está em lei.

Lula, e qualquer preso que for para o semiaberto, pode ser obrigado a permanecer em casa, sob prisão domiciliar, que é tipo de prisão menos grave, prevista em lei e, por isso, pode substituir o regime semiaberto se, no caso, não existir nenhuma daquelas colônias da legislação, existência tão rara quanto o MP pedir progressão para o regime semiaberto.

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A última indagação que resta nessa celeuma toda é a da tal impunidade. Não seria impunidade o preso estar em casa quando devia estar na prisão de regime semiaberto?
Historicamente não, pois, como dissemos acima, o semiaberto nasce com o aumento da pena embalado pela ideia de ressocialização, o que quer dizer que a parte retributiva, vingativa, a punição mesmo, da pena a ser cumprida, está no regime fechado, o resto seria o tal “tratamento ressocializador” propalado pelos criminólogos do passado.

Assim, sequer se deveria impor regime semiaberto a presos que não necessitam de um acompanhamento pós regime fechado, o que transformaria o regime semiaberto de Lula no próprio “Lula Livre” pelo qual luta o seu partido, embora não pela anulação da sentença, mas pelo cumprimento da sanção mesmo.

Todavia, o regime semiaberto ainda está previsto em lei, é fase do cumprimento da pena privativa de liberdade, mas é direito do preso. Pode, no máximo ser convertido em prisão domiciliar, nunca com monitoramento eletrônico obrigatório, mas sempre dependendo da anuência do próprio condenado.

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