Por Manoel Ramires, publicado em Porém.net –
A operação Lava Jato tem pelo menos quatro forças tarefas atuando pelo país: Curitiba, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. No entanto, em nenhuma das outras cidades a fetichização da operação é tão grande como na capital do Paraná. Por aqui, não são poucos os carros (já foram mais) e as manifestações em apoio à investigação. Talvez essa sensação de “donos da Lava Jato” ocorra por ela ser berço do processo e porque em Curitiba está situado o juiz de primeira instância, Sérgio Moro, responsável por perseguir Lula e o PT enquanto outros ramos da Lava Jato avançaram sobre outros partidos políticos.
Esse orgulho curitibano cresceu na medida em que o ex-presidente Lula nomeou a cidade como “República de Curitiba”, em uma alusão a “República do Galeão”, onde se atuava contra Getúli Vargas. No entanto, na esclarecida Curitiba, se ignorou o fato histórico apenas para criar o marketing: “aqui se cumpre a lei”. A ideia era propagandear uma cidade diferenciada do restante do país, onde o combate à corrupção e a tolerância aos maus feitos políticos não são aceitos.
Essa turma que se apropria da justiça, ou do justiciamento, é formada pelos mesmos “cidadãos de bem” que ignoram (por má fé ou alienação Santa) que a cidade onde “se cumpre a lei” é a mesma que assiste as impunidades do agora ex-governador Beto Richa (PSDB), investigado em pelo menos quatro processos de corrupção, entre eles desvio de recursos na construção de escolas e de impostos na Receita Estadual. Na “cidade em que a lei é um bem maior” pelo menos meia dúzia de vereadores são investigados pelo Ministério Público por corrupção e uma vereadora aguarda (tranquilamente) decisão na Câmara Municipal sobre denúncia – com provas – de que ela ficava com parte dos salários de seus comissionados. Lá se vão mais de oito meses de impunidade sem se ouvir uma única panela.
Contudo, a República de Curitiba anda incomodada com seu principal hóspede, o presidente Lula. Desde que a operação contra ele foi iniciada, muitos curitibanos festejavam, em tom de orgulho e supremacia, e o aguardavam na cidade para ser enjaulado. Era o extermínio da corrupção. Mas Lula, que não veio a Curitiba, conforme o desejo de Moro, algemado para prestar depoimento em condução coercitiva, esteve livre na cidade por diversas vezes. Duas delas emblemáticas. Uma após sua caravana pelo sul do país, quando chegou à cidade na perspectiva de que seria preso, mas trazia em seu bolso um habeas corpus do STF. A outra quando prestou depoimento pela primeira vez a Moro, num duelo de Bang Bang narrado pela mídia, que terminou em comício na Praça Santos Andrade para milhares de brasileiros. A liberdade dele e a capitalização política do confronto até fizeram com que o juiz paranaense mudasse a estratégia e não quisesse mais ouvi-lo presencialmente.
Meses depois, Lula enfim seria preso em Curitiba, mas sem “o japonês da federal ao lado” ou imagens que pudessem apresentá-lo como um troféu para os denominados coxinhas. Rapidamente, o sonho dessa turma virou pesadelo. Ao encarcerar o sindicalista na PF, os lava-jateiros esperavam poder fazer seu passaporte para os EUA e ainda ter a oportunidade de tirar uma selfie com o ex-presidente atrás das grades. Quem sabe, excursões não seriam organizadas com o roteiro passando pela 13a Vara de Curitiba, no Ahú, e terminando no bairro do Santa Cândida, com o guia clamando que “aqui está o ex-presidente, preso por corrupção e por destruir o país”.
A realidade mostrou-se bem diferente. Excursões estão sendo realizadas e a Superintendência da PF virou ponto turístico das caravanas daqueles que defendem Lula. A estratégia de encarcerar o maior líder da esquerda brasileira e dar tempo ao tempo para que ele fosse esquecido não surtiu efeito. Ainda mais depois de ontem (1o de Maio), quando a conservadora cidade foi tomada pelos vermelhinhos dos movimentos sindicais e sociais. Curitiba se tornou a capital da resistência dos que querem Lula livre. Nem mesmo as bombas da polícia em sua chegada em 7 de abril ou os tiros contra o acampamento removem a ideia dessa gente de que é necessário libertar seu preso político.
Ciente disso, o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN) tenta jogar para a torcida. Ele, que, ao invés de recepcionar os adversários políticos, como deve ser feito por um homem educado, civilizado e republicano, como primeiro ato solicitou o interdito proibitório da região. Agora, novamente, solicita que Lula e seus seguidores sejam expulsos do bairro Santa Cândida. Argumenta, e com razão, que o local não tem alvará e estrutura para abrigar importante figura política. Na prática, Greca não conseguiu capitalizar com a prisão e percebeu que o circo da Lava-Jato não rende mais tanta bilheteria.
Mas há um grande problema em retirar de Curitiba seus ares cosmopolitas de centro político brasileiro e retornar ao pacato provincianismo jacú de uma cidade que tinha apenas como rótulos a antiga antipatia de seu povo e as quatro estações em um mesmo dia. Com Lula fora de Curitiba, se encerra a mística da honestidade que embalou tantos discursos oportunistas. A remoção dele para qualquer canto só vai provar que o ex-presidente jamais deveria ter sido trazido para a cidade, reforça o discurso de que Moro era incompetente para julgar Lula e amplia o argumento de um preso político que tem a capacidade de ganhar a eleição e fazer novamente o povo, livre da sanha autoritária e neoliberal que prende o país, subir a rampa do Planalto.