Machismo, assédio e misoginia: os desafios das mulheres no jornalismo brasileiro

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Por Kamila Tuênia, compartilhado de Saiba Mais – 

A desigualdade salarial entre homens e mulheres persiste no mercado de trabalho do país, embora tenha diminuído entre 2012 e 2018, de acordo com  dados do IBGE divulgados em março de 2019. Mesmo com a redução de 2,9% nesse período, cerca de 20% das brasileiras ainda têm salários inferiores ao dos brasileiros.

O que o dado geral das profissões aponta, não é diferente no jornalismo. A pesquisa mais recente sobre o perfil do Jornalista Brasileiro foi elaborada em 2012 pela Federação Nacional dos Jornalistas em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina. Já na época, 64% dos jornalistas brasileiros eram mulheres e 36% homens.

A carreira é, de fato, ocupada majoritariamente pelas mulheres, diferentemente de outras áreas de trabalho em que predominam os homens. Ainda assim, é possível identificar no dia a dia das jornalistas uma discriminação de gênero traduzida nas contas bancárias.




A mesma pesquisa constatou que as mulheres ganham menos que os homens ainda que os dois ocupem as mesmas funções. Outro fator apontado pelo estudo é as mulheres têm mais dificuldade e acessar postos de comando.

Já o levantamento “Desigualdade de Gênero no Jornalismo”, elaborado em 2016 pelo Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal com 535 profissionais de todo o país, revelou que 77,9% das jornalistas entrevistadas admitiu já ter sofrido assédio moral na profissão por parte de colegas ou chefes.

Na mesma pesquisa,  78,5% das entrevistadas disseram já ter enfrentado algum tipo de atitude machista durante entrevistas. Foi o caso da jornalista e representante no Rio Grande do Norte da Federação Nacional dos Jornalistas, Ana Paula Costa:

“Já encerrei uma entrevista porque o entrevistado declarou que não conseguia se concentrar nem tirar os olhos das minhas coxas. Isso nos poda. Passei anos indo trabalhar apenas de calça, com vergonha. E a culpa não é nossa”, relata.

Ana Paula Costa é membro da Fenaj no RN: “Passei anos indo trabalhar apenas de calça, com vergonha”. (foto: Arquivo pessoal)

Segundo ela, as mulheres também são maioria no jornalismo local, ainda assim cargos de chefia por exemplo são, em maioria, entregues aos homens:

“Apesar de não termos números oficiais, é notável o protagonismo feminino na profissão, ainda assim a gente vive o jornalismo diariamente. Já ouvi colegas relatando que ouviram de chefes para aumentar o decote para conseguir determinada informação e, quando existem mulheres promovidas, sempre há o burburinho na redação de que só conseguiu porque teve relações sexuais com a pessoa certa”, relata a jornalista.

Misoginia: 26 jornalistas do gênero feminino foram agredidas no Brasil em 2019

A jornalista do jornal Folha de S.Paulo Patrícia Campos Melo foi agredida por Jair Bolsonaro em 2019 e também em 2020 (foto: divulgação)

Relatório Violência e Liberdade de Imprensa no Brasil da Fenaj, divulgado no final de 2019, revelou que metade dos 204 ataques sofridos por profissionais de imprensa no ano passado teve como agressor o presidente da República Jair Bolsonaro. O alvo principal dele são mulheres.

No ano passado, 26 jornalistas do gênero feminino sofreram algum tipo de agressão. Esse número ainda é subnotificado, uma vez que as jornalistas são vítimas recorrentes de assédios no ambiente de trabalho e temem perder os empregos caso façam denúncias das condutas.

A última vítima foi a jornalista Vera Magalhães, do jornal Estado de S.Paulo, que revelou que o presidente estava divulgando um vídeo no whatsaap convocando a população para a manifestação de 15 de março em defesa do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Antes do ataque a Vera Magalhães, Jair Bolsonaro protagonizou ofendeu a jornalista do jornal Folha de S.Paulo Patrícia Campos Mello em duas oportunidades: em 2019, assim que a repórter assinou uma matéria revelando a contratação de empresas de disparo em massa de mensagens pelo whatsaap para prejudicar a campanha de Fernando Haddad e, em fevereiro, ao fazer um trocadilho infame e misógino: “ela queria dar o furo contra mim”.

A declaração do presidente foi uma referência ao depoimento a na CPMI das Fake News, no Congresso, por Hans River, ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa por WhatsApp.

Os jornalistas do sexo masculino são maioria entre as vítimas de violência em decorrência do exercício
profissional. No entanto, segundo o Relatório da Violência e Liberdade de Imprensa no Brasil, as mulheres, quando há identificação do gênero da vítima, são alvos sobretudo de ofensas verbais machistas.

“Mercado enxerga que é mais rentável ter homens trabalhando”, diz professora da UFRN

Para a Chefe do Departamento de Comunicação da UFRN, a Jornalista Lívia Cirne, esse é um reflexo da conjuntura social que independe da área no mercado de trabalho.

“O mercado enxerga que é mais rentável ter homens trabalhando, já que mulheres poderiam gerar ônus à empresa por motivos de gravidez, por exemplo. Isso é um reflexo da misoginia, da visão de sexo frágil que ainda existe. Pelo fato do jornalismo ser relacionado ao conhecimento, essa situação se agrava na profissão, pois pensam que nós mulheres somos incapazes de exercer esse papel, uma visão completamente machista”, disse a professora.

Comunicadora ocupante de um desses espaços de liderança, Lívia acredita que a universidade tem um papel fundamental hoje em dia: o de conscientizar os alunos quanto a equidade na profissão.

“Na sala de aula a gente tem que alertar para essa realidade, o papel do departamento e do curso de jornalismo é apoiar e dar legitimidade à luta contra o que apontam esses dados”, reitera Lívia.

Anualmente, duas turmas de Jornalismo ingressam na UFRN. Nas salas de aula cerca de 50% dos futuros jornalistas, são mulheres.

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