Maconha: preço alto de remédio estimula o cultivo

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Por Wanderley Preite Sobrinho, Carta Capital – 

Anvisa autorizou a entrada no Brasil do medicamento à base da erva, mas frasco sai a R$ 1,7 mil, estimulando a produção caseira

Canabidiol
“Jardineiro” separou 400 gramas da flor da maconha e preparou 40 ml de canabidiol para o pai, diabético

Nem os apelos da mãe evitaram que um jovem portador de epilepsia tivesse os pulsos algemados e fosse encaminhado para o posto da Polícia Federal em Petrópolis, no Rio de Janeiro, na semana passada. Com ele, 39 pés de maconha foram apreendidos: a erva, cultivada em estufa, não servia ao tráfico de drogas que se espalha pelas comunidades carentes do Rio. Flavio Ferreira Dillan, de 30 anos, utilizava as plantas para preparar para si o cannabidiol (CBD), extrato retirado da cannabis sativa (maconha) que promete ativar a comunicação neuronal e cuja versão industrializada foi liberada para importação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no mês passado.

Aprovado por unanimidade, a descriminalização e reclassificação do cannabidiol como medicamento de uso controlado regularizou a situação das famílias que importavam ilegalmente o produto. Mas a medida não tirou das sombras os pacientes com esclerose múltipla, epilepsia e câncer que não têm dinheiro para bancar a versão industrial.




A esses pacientes a opção é o CBD artesanal, fabricado e distribuído gratuitamente por cultivadores – ou “jardineiros”, como eles se definem – da planta. A CartaCapital foi até uma casa na zona sul de São Paulo onde um jovem de 25 anos cultiva maconha para consumo recreativo e que há um ano fabrica o CBD, que doa.

É sobre a garagem da casa dos pais que João (nome fictício) mantém uma estufa com uma dezena de mudas aquecidas com luz artificial. Ele já planejava fabricar o óleo quando, no ano passado, um amigo pediu ajuda à mulher, com câncer. Para o preparo, ele utilizou uma planta e meia, equivalente a 30 gramas. Depois de colher um punhado de flores da maconha e secá-las na sombra por 15 dias, ele triturou o material, mergulhou em álcool de cereais e coou. O resultado é uma água esverdeada. “Aí ferve por horas até evaporar todo o solvente. Rende apenas 10% em óleo, por isso a necessidade de muitas plantas”, explicava ele à reportagem enquanto extraia o óleo mais uma vez, agora para o pai, diabético.

Em estado avançado de esclerose múltipla (doença no sistema nervoso), o designer Gilberto Castro (41 anos) é um dos que recorre à opção artesanal do cannabidiol. Todo mês ele recebe anonimamente pelo correio o extrato embalado em um frasco de conta-gotas. “No momento eu luto para não ficar em uma cadeira de rodas”, relata ele, no sexto dos nove estágios da doença. “Tomo duas, três gotinhas [do CBD] por dia.”

Supervisora da Neurologia Infantil do Hospital das Clínicas, Maria Luiza Manreza crava em 600 dólares (1,7 mil reais) o valor necessário para importar o equivalente a 10 ml do cannabidiol industrial. “E essa é a fase inicial. Espera-se que o paciente utilize mais remédio com o decorrer do tratamento.”

Contrária à versão artesanal, a médica teme que os efeitos provocados pelo THC (componente psicotrópico da maconha) acarretem futuros danos mentais aos usuários. “O ideal é separar completamente o THC do cannabidiol. Quem produz precisa ter um controle rígido porque ainda faltam estudos sobre o medicamento.”

Canabidiol
Canabidiol é extraído da maconha: depois de seis horas de fervura, 10% do material se transforma em um óleo de cheiro adocicado

Embora admita que sua versão contenha traços de THC, João critica a Hempmeds, a maior produtora e exportadora de CBD do mundo, sediada em San Diego, Estados Unidos. “Essa empresa faz o óleo a partir de uma pasta de cânhamo”, uma fibra da maconha utilizada na fabricação de tecido, papel, alimentos. “O artesanal é da flor da erva.”

Mãe de Lorenzo Ferreira dos Santos Vaz, hoje com 9 anos, a enfermeira Luciana Ferreira dos Santos Vaz (43) importava o CBD ilegalmente para tratar as 30 crises convulsivas pelas quais o filho passava todo mês. Com a autorização da Anvisa, o tempo de chegada do remédio diminuiu “apesar de todos os entraves burocráticos” para importá-lo. “Se posso, prefiro pagar e não arriscar a versão caseira. Não condeno os pais que tenham essa única opção, mas como enfermeira entendo os riscos dessa fabricação.”

Os 600 dólares para importar o remédio são pagos com cartão internacional. Para retirá-lo, é preciso ir até o aeroporto de Viracopos (Campinas/SP) ou desembolsar 300 reais pelo Fedex, um serviço de entrega internacional. O designer precisaria importar quatro vidros todo mês. “Infelizmente não é só rico que adoece”, lamenta ele, que defende também a liberação medicinal do THC, o único alívio para os espasmos noturnos. “Um dos remédios que tomo exige que eu assine um termo isentando o Estado de qualquer responsabilidade. Então por que ele quer controlar o uso de uma planta que pode diminuir minhas dores?”

O cultivador garante que não existe uma rede organizada de distribuidores em São Paulo, embora “todo produtor caseiro no estado esteja arriscando fazer o óleo”. “Só no Rio de Janeiro há essa rede. Em São Paulo as pessoas ajudam na medida do possível porque ninguém tem planta suficiente.”

É também por essa razão que o “jardineiro” prefere que as famílias arrisquem a lei e aprendam a plantar maconha em casa para produzir o próprio cannabidiol. “A produção artesanal em grande escala só vai ser possível com associações de produtores, que poderiam ‘adotar’ um número fixo de pacientes. Mas para isso seriam necessárias muitas plantas”, o que ainda é um risco no Brasil, onde o cultivo da maconha pode terminar em até 15 anos de prisão, pena máxima para tráfico de drogas.

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Assista a reportagem em vídeo:

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