Mãe, professora e com dupla preocupação com filha e alunos

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Por *Emilene Lopes Lição de Casa, compartilhado de Projeto Colabora – 

Com 5 anos, Laura – aluna na escola onde a mãe dá aula – perdeu, com a pandemia, alimentação balanceada garantida por instituição pública no Rio Grande do Sul

Na escola, Laura Fernanda Machado Cardona, de 5 anos, comia legumes praticamente todo dia. De quarentena em casa, a mãe acaba deixando a filha comer o que lhe apetece – no momento, tem sido pão bisnaguinha e maçã. Loreneci Rosa Machado, de 31 anos, conta que não consegue manter a alimentação balanceada que a filha tinha na unidade escolar e a deixava segura.




Quem vê a menina falante, brincando no pátio frio de Guaíba, região metropolitana de Porto Alegre, não imagina as dificuldades que ela vem enfrentando, para além da nutrição, durante a pandemia da covid-19. A falta da rotina escolar, das atividades presenciais e dos amiguinhos resultou em algumas regressões na evolução de Laura. A mãe conta que, muitas vezes, ela não está conseguindo controlar o xixi e está com pouco apetite.

Eu fico frustrada, né? A filha da professora não saber ler e nem escrever com 5 anos? Pobrezinha

Lola Machado
Professora e mãe de aluna da Educação Infantil

Laura é uma das quase 3 mil crianças da Educação Infantil da rede municipal de Guaíba, cidade com cerca de 98 mil habitantes no Rio Grande do Sul. A escola Nossa Senhora de Fátima era como se fosse a segunda casa da menina – ficava lá desde os seis meses de vida. A mãe, Loreneci, também conhecida como Lola, é professora na unidade, o que tornava aquele ambiente ainda mais familiar. Todo o desenvolvimento da primeira infância de Laura teve o acompanhamento de perto da mãe, além de educadoras e amigos de escola.

O isolamento social só agravou o comportamento que Laura começou a apresentar no ano passado, por causa de outras mudanças bruscas na vida dela: o nascimento da irmãzinha Lana e a separação dos pais. Ficou mais chorosa e irritada. Mais uma vez a escola salvava. Laura era atendida por uma psicóloga e começou a melhorar, iniciando bem o ano letivo. E, aí, veio o coronavírus.

Mãe e professora em casa

Lola separou-se do marido em 2019, ficando sozinha em casa com uma bebê de 4 meses e Laura. O aluguel não cabia no orçamento individual. Esse era o contexto já difícil antes da pandemia. Na quarentena, passou a vivenciar em casa, de maneira intensa, os dois papéis do educar: de mãe e de professora. Quando tudo aperta, Lola pode contar com a mãe que mora perto. Passados os meses mais difíceis da separação e da quarentena, o pai das gurias agora pega Laura para passar um ou dois dias da semana na casa nova dele.

No restante, Lola precisa conciliar os cuidados com as filhas e a preparação das aulas dos alunos dela. Grava vídeos de contação de histórias e pesquisa atividades que serão enviadas para turmas do berçário, maternal e jardim. Também realiza videochamadas com pais e estudantes. De longe, Lola tenta propor atividades caseiras que auxiliem no desenvolvimento de habilidades motoras, linguagem e raciocínio, mas, muitas vezes, não tem retorno dos pais.

Como professora, ela percebe a diferença que a Educação Infantil faz no desenvolvimento da criança, deixando-a mais preparada emocionalmente e intelectualmente para ingressar nas séries iniciais do Ensino Fundamental. E, como mãe, ela entende que a rotina diária de trabalho e afazeres domésticos pode comprometer esse tempo dedicado ao educar em casa. “Sabe como é o ditado: casa de ferreiro, espeto de pau”, brinca Lola, ao mesmo tempo constrangida por não conseguir fazer as atividades escolares com Laura. “Tá difícil, tem vezes que eu travo. Não sei o que faço primeiro. Claro, tenho que dar prioridade para elas. Depois vou ver a casa”, relata a mãe professora. Entre louças e roupas para lavar, crianças brigando, ela destrava. “Se não, eu acho que já tinha surtado”, desabafa.

Laura (com a irmã bebê) assistindo televisão: sem aulas presenciais, menina de 5 anos passa o dia em frente a telas e está com pouco apetite (Emilene Lopes)
Laura (com a irmã bebê) assistindo televisão: sem aulas presenciais, menina de 5 anos passa o dia em frente a telas e está com pouco apetite (Emilene Lopes)

Telas em excesso

Até março deste ano, Laura não tinha tempo para celular ou televisão. Saía cedo com a mãe para a escola Nossa Senhora de Fátima, almoçava lá, de tarde ia para a creche particular onde ficava sua irmã e voltava à noite para casa. Os dias eram tomados por brincadeiras e atividades entre crianças. Há seis meses, passa o dia em casa com a mãe e a irmã, que, por ser muito bebê, não consegue brincar com Laura.

Nem mesmo a casinha de madeira, cheia de bonecas e panelinhas, é capaz de atrair a atenção de Laura por um tempo maior que o dedicado agora ao celular e aos vídeos infantis no Youtube. Só fica longe das telas quando as irmãs mais velhas, da parte paterna, a visitam. A falta da escola também reflete no processo de alfabetização de Laura, que já estava escrevendo o nome e voltou a rascunhar apenas as letras iniciais. “Eu fico frustrada, né? A filha da professora não saber ler e nem escrever com 5 anos? Pobrezinha”, lamenta Lola.

Desde o dia 8 de setembro, estão liberadas as atividades presenciais para alunos da Educação Infantil em municípios do Rio Grande do Sul, onde a disseminação da covid-19 está mais controlada. A proposta do governador Eduardo Leite (PSDB) contraria o resultado de uma consulta pública com entidades dos 441 municípios. Nos cenários sugeridos, o retorno da Educação Infantil apareceu em último lugar. A adesão dos municípios pela reabertura das escolas não é obrigatória. Em Guaíba, até agora não há previsão de retorno às aulas.

A professora Lola não consegue imaginar como uma turma de berçário, maternal ou jardim pode funcionar sem contato físico, em uma reabertura da escola. “Esse espaço é feito de proximidade”. Já a mãe Lola compreende que as famílias precisam voltar a trabalhar e não têm com quem deixar os filhos. Um impasse de difícil solução, que se prolonga em meio a muitas incertezas.

*Lição de Casa

Na foto: A professora Lola com as filhas: preocupação com Laura, de 5 anos, que deixou de ir à escola e também com seus filhos (Foto: Emilene Lopes/Lição de Casa)

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