Por Luis Felipe Miguel, publicado em DCM –
“Todo mundo consegue trabalhar até os 80 anos”, disse Rodrigo Maia. Como a expectativa de vida está em 75 anos, percebe-se que muitos vão ter que procurar emprego na condição de almas penadas.
Mas dá pra dar um desconto para o presidente da Câmara. O pessoal está tendo que se desdobrar para conseguir algum destaque no festival de sandices que os donos do poder mantêm ativo 24 horas por dia no Brasil.
A declaração de Maia chama a atenção pela cegueira de classe, comum à nossa elite, mas indesculpável em um representante político encarregado de aprovar leis que valem para a totalidade dos brasileiros.
E revela também o significado da aposentadoria para essas pessoas. Aposentadoria é o que se dá à mão de obra tornada inservível, já que os preconceitos do nosso tempo impedem soluções mais econômicas e elegantes, tipo praticar eutanásia em todo mundo.
Para o trabalhador e a trabalhadora, porém, a aposentadoria é a ansiada alforria. O momento em que eles podem alcançar um pouco da liberdade existencial de que os burgueses desfrutam. Para isso, é preciso que tenham duas coisas: alguma tranquilidade material e suficiente saúde.
É essa perspectiva que é silenciada sistematicamente no debate brasileiro sobre a reforma da Previdência. Um debate limitado, enviesado, com dogmas que, justamente por serem tão frágeis, não podem sofrer questionamentos. Esses dogmas incluem o enquadramento da questão exclusivamente sob o ângulo contábil e a “bomba relógio” do “indiscutível” desequilíbrio estrutural. Outro dogma é a ideia de que trabalhador existe para trabalhar, isto é, para gerar mais-valor, enquanto tiver um sopro de energia no corpo.
Rodrigo Maia e a editora da Vogue se expressam de maneiras diferentes, mas compartilham da mesma visão de mundo.
Publicado originalmente no Facebook do autor