Estudo revela espaço para a disseminação de ideais contrários aos direitos trans em um ambiente de completo desconhecimento
Compartilhado de Projeto Colabora
Um novo estudo revelou que a maioria dos jovens adultos que tem se posicionado a favor da agenda anti-trans não conhece ou se relaciona com uma pessoa trans na vida real, e que, por outro lado, ter um convívio regular com pessoas trans em sua vida pessoal aumenta muito as chances de alguém se tornar um aliado da causa trans. Detalhando os principais insights sobre transaliados, a pesquisa descobriu ainda que conhecer pessoalmente uma pessoa trans aumenta a probabilidade de a pessoa se tornar um aliado. O estudo também demonstrou que quase 70% dos jovens adultos que não são LGBTQIA+ apoiavam as pessoas trans.
Dentre os 3.695 jovens de 18 a 25 anos pesquisados, 74% que disseram não apoiar pessoas trans também admitiram que não conheciam uma pessoa trans. O estudo foi publicado no último Dia Internacional da Visibilidade Trans, e faz parte de um relatório da instituição de atenção e cuidados para jovens LGBTQIA+ – Just Like Us UK*. Dos 89% dos jovens adultos LGBTQIA+ que disseram apoiar pessoas trans, as lésbicas cisgêneras eram mais propensas a dizer que conheciam uma pessoa trans (92% por cento) e expressavam apoio a pessoas trans (96% por cento).
Amy Ashenden, CEO interina da Just Like Us, comentou que está “encantada” em ver altas taxas de apoio de lésbicas cis na comunidade LGBTQ+. “Como lésbica, sei o quanto nossa comunidade historicamente tem apoiado nossos irmãos e irmãs trans e é fantástico finalmente ter evidências para demonstrar isso – lésbicas e pessoas trans se solidarizam. Sempre fizemos.” E completou: “Ouvimos tanto nas notícias, redes sociais e na vida cotidiana muitas narrativas negativas sobre as pessoas trans, e agora a pesquisa mostra que grande parte desse tipo de conteúdo decorre sobretudo do fato de nem mesmo as pessoas se permitirem conhecer uma pessoa trans em Vida real e admitirem um discurso com bases transfóbicas e que inclui mitos, estigmas e tabus sobre pessoas trans.
Não podemos ignorar que existe o medo no desconhecido, e a questão é como iremos nos posicionar em relação a isso, apoiando politicas separatistas e segregacionistas como no passado ou procurando compreender, ouvir e tornar a vida dessas pessoas menos violenta. E o distanciamento que a pesquisa aponta, dialoga com o que tem sido explorado por grupos de extrema direita e outros antitrans que tem politizado a pauta trans de forma enviesada e calcada em pensamentos arcaicos e estudos já superados pela ciência contemporânea. Vimos no passado como a escravidão e racismo já foram uma política de estado, quando negros foram tidos como uma ameaça e que deveriam ser combatidos, e também o quanto a homofobia foi amplamente motivada por ideais de medo do desconhecido e, infelizmente, a história está se repetindo diante dos nossos olhos sem que estejamos vendo reações a altura.
Recentemente a Folha de S. Paulo publicou que diariamente são apresentados projetos de lei antitrans no Brasil. E porque não estamos vendo a disseminação de contra narrativas e a defesa de projetos pro trans nesse mesmo instante, com a mesma intensidade? O combate à violência deve ser, também, um combate ao discurso que permite, incentiva, tolera e legitima a violência.
Nos últimos anos, temos enfrentado desafios para romper com a invisibilização para nos tornarmos alvos da hipervisibilidade negativa. E o que ainda tem se destacado nas redes sociais tem sido o discurso violento antitrans. Recentemente vimos que os políticos mais influentes do país estão posicionados na extrema direita e absolutamente todos eles tem posicionamentos antitrans em suas trajetórias por estarem aliados a extrema-direita e seus partidos dialogarem com outras forças que atuam em dialogo com governos autoritários e que violam direitos humanos, sobretudo de pessoas LGBTQIA+.
E nesse contexto, diante do medo no desconhecido, precisamos de educação uma inclusiva sobre questões LGBTQIA+ nas escolas para enfrentar a vergonha e o estigma que são lançados sobre essa parcela da população. O bullying transfóbico ainda não tem a devida atenção por parte das instituições de ensino, a violência transfóbica ainda segue sem dados na segurança pública e o governo federal ainda não se posicionou aberta e publicamente em relação a defesa dos direitos trans. Infelizmente no Brasil ainda estamos reféns da transfobia produzida pela extrema-direita, acuados e melindrosos em relação a defesa das pessoas trans. Em um retrato dessa violência, a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA), estima que cerca de 75% da população não conhece, teve contato ou se relaciona socialmente ou em seu cotidiano com uma pessoa trans.
E como as pessoas trans representam cerca de 2% da população no Brasil, estimada em 4 milhões de pessoas, poucas pessoas realmente conhecem uma pessoa trans na vida real e então veem o medo na imprensa ou nas redes sociais e se preocupam com algo que é desconhecido para eles. Sobretudo em tempos onde poucas pessoas se interessam com as fontes das informações, precisamos urgentemente de garantir o acesso a um letramento em gênero e suas diversidades para que as gerações futuras não criminalizem e isolem uma comunidade inteira com base em mentiras e narrativas baseadas em discursos de ódio ou fakenews.
As atitudes negativas em relação às pessoas trans são incrivelmente prejudiciais e têm efeitos reais – os jovens trans com quem trabalhamos nos contam diariamente o impacto que essa negatividade e o medo estão causando em sua saúde mental e bem-estar, e afirmam que estão menos otimistas sobre o futuro diante do contexto social e politico em que se encontram. E temos um compromisso de mudar essa realidade.
Neste momento, ativistas trans defendem que a transfobia está sendo usada como laboratório para mais à frente atacar as conquistas das mulheres e de outros grupos “indesejáveis”. Fazendo retroceder ao aprisionamento de grupos vulneráveis em locais subalternos e sem representação na vida publica ou em locais de decisão. E somente agora a mídia brasileira passou a mencionar a agenda antitrans que já vimos denunciando há anos e que traz impacto para toda sociedade ao testar os limites da liberdade de expressão e possibilitar projetos que pretendem institucionalizar a discriminação. O que não pode ser permitido sob nenhuma hipótese.
E você, quantas pessoas trans conhece e se relacionada cotidianamente? Quantas pessoas trans frequentam a sua casa ou seu circulo de amizades? Será que as respostas para essas questões nos ajudariam a pensar saídas para que pessoas trans possam passar por um processo de humanização ao ponto de ser gerada empatia e que a sociedade então passe a vê-las como dignas de cidadania e respeito?
*Esta coluna foi produzido com informações de Just Like Us Uk e os dados mencionados fazem parte de um novo relatório da Just Like Us (ONG para jovens LGBT+) chamado Positive Futures , que será publicado em 1º de junho. A pesquisa de Just Like Us foi realizada de forma independente pela Cibyl em janeiro de 2023.