Mais de 1.000 mortos em chacinas policiais no Grande Rio

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Em seis anos, ações policiais resultam em 250 chacinas, segundo Instituto Fogo Cruzado

Compartilhado de Fogo Cruzado




A Região Metropolitana do Rio de Janeiro atingiu a marca de 1.008 civis mortos em chacinas policiais desde 2016, segundo levantamento inédito do Instituto Fogo Cruzado. Ao todo, houve 250 ações e operações policiais que terminaram com três ou mais mortos.

Três das operações policiais mais letais da história do Rio de Janeiro aconteceram em um intervalo inferior a dois anos, todas durante o governo de Cláudio Castro. Uma operação no Jacarezinho terminou com 27 civis e um policial mortos no dia 6 de maio de 2021. Em 2022, no dia 24 de maio, uma operação policial na Vila Cruzeiro deixou 23 mortos. E também este ano, uma operação no Complexo do Alemão deixou 16 civis e um policial mortos no dia 21 de julho.

Cecília Olliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado destaca o custo social da alta letalidade. “O Rio de Janeiro parece ter normalizado chacinas com mais de 20 mortos em operações policiais. Apostamos nas mesmas soluções – o tiro – há muitos anos. A pergunta que fica é: estamos mais seguros? Obviamente não. O que temos são policiais e moradores encurralados, gerações de crianças traumatizadas e cidades que se acostumaram com tiroteios e tudo que eles acarretam: escolas fechadas, trânsito interrompido, cenas de violência na televisão. Do ponto de vista da segurança mesmo, nada mudou. Pelo contrário. As milícias e as facções ocupam hoje mais que o dobro de áreas do que ocupavam 16 anos atrás, como mostra o Mapa dos Grupos Armados, que lançamos recentemente com o Geni/UFF”. 

Chama a atenção o número elevado de vítimas das chacinas nos últimos anos. Entre 2020 e 2022, houve 106 chacinas, nas quais morreram 463 pessoas. Seis desses casos tiveram 10 ou mais mortos. Entre 2017 e 2019, houve 132 chacinas policiais na Região Metropolitana do Rio, mas somente uma com mais de 10 vítimas. Na ocasião, uma operação policial no Fallet-Fogueteiro, em Santa Teresa, bairro central da cidade do Rio de Janeiro, terminou com 13 mortos em fevereiro de 2019.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a restringir operações policiais não urgentes nas favelas do Rio de Janeiro enquanto estivesse em vigor o estado de pandemia. A decisão foi tomada através da ADPF 635. Ainda assim, diversas operações policiais, muitas delas que terminaram em chacinas, aconteceram nas favelas do Rio de Janeiro. Este ano, o STF determinou ao governo do estado a elaboração de um plano para conter a letalidade policial no Rio de Janeiro. O plano apresentado foi rejeitado e o Supremo demandou a reelaboração. O governo ainda não submeteu uma nova proposta.

Além do elevado número de vítimas, as chacinas do Jacarezinho (27), da Vila Cruzeiro (23) e do Complexo do Alemão (17) também alertam para outro dado que chama atenção: a distribuição desigual da letalidade policial pela cidade. A Zona Norte do Rio, região que concentra 87 bairros, é a mais afetada pela alta letalidade policial. Ao menos 338 civis foram mortos nas 67 chacinas policiais ocorridas na região nos últimos seis anos. Outros 233 civis foram mortos em 65 chacinas na Baixada Fluminense; 211 civis foram mortos nas 60 chacinas do Leste Metropolitano, 113 nas 32 chacinas da Zona Oeste, 39 em 9 chacinas na Zona Sul e 74 em 17 chacinas no Centro da capital. A Zona Norte concentra 27% das chacinas e 34% das mortes, o que faz dela a área preferencial para atuação da polícia. Como demonstrado recentemente no Mapa dos Grupos Armados, lançado pelo Fogo Cruzado e pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni/UFF), entre a área total da Zona Norte da capital: 8,4% é dominada pelo Comando Vermelho, 4,7% pelas milícias, 4% pelo Terceiro Comando Puro e 0,5% pela facção Amigos dos Amigos. 

Cecília Olliveira afirma que a distribuição das chacinas pelo Grande Rio é um dado relevante para compreensão da política de segurança pública atual.

“O Mapa dos Grupos Armados demonstrou uma explosão da milícia em quase 400%. Nós sabemos que ela está concentrada especialmente na Zona Oeste. E sabemos que na Zona Oeste acontecem menos operações policiais que em outras áreas da Região Metropolitana. A distribuição das chacinas resultantes de operações policiais mostra que a política de letalidade não é para todos, mas para algumas áreas específicas. Até quando a população da Zona Norte do Rio, daquela região da Penha, Alemão e Jacarezinho será sacrificada em nome de uma política de segurança pública que serve apenas para enxugar gelo, e um gelo específico?”, questiona.

Entre os municípios com mais mortes em chacinas policiais, o Rio de Janeiro, com 564 vítimas, concentrou 56% do total. São Gonçalo teve 138 mortos. Belford Roxo teve outros 73 mortos, e Niterói teve 49 vítimas.

Entre as localidades com mais mortos em chacinas policiais, o Complexo do Salgueiro lidera as estatísticas com 53 mortos. Em seguida estão Complexo da Penha (49), Complexo do Alemão (44), Jacarezinho (38) e Complexo da Maré (36).

A violência nessas ações deixa marcas físicas e também psicológicas. Em 6 de maio de 2021, durante a operação policial no Jacarezinho, um homem foi morto dentro do quarto de uma menina de 9 anos. O impacto emocional foi tão grande que, por dias, ela não quis dormir em casa. Além dela, outras crianças que foram expostas à violência desde cedo têm problemas de insônia, ansiedade e medo e tem seus crescimento duramente afetado. Foi nessa mesma operação que uma noiva, que se maquiava para o casamento, só conseguiu sair de casa minutos antes da cerimônia, quando os tiros cessaram, e que uma outra mulher, que estava com cesariana agendada, teve que traçar rota alternativa para conseguir sair de casa.

No dia 21 de julho deste ano, durante a operação policial no Complexo do Alemão, pelo menos 15 linhas de ônibus que circulam pelo Complexo do Alemão alteraram suas rotas e dois centros de saúde não abriram. O comércio da região também fechou as portas e as ruas ficaram desertas. Na coletiva de imprensa após a operação, os responsáveis disseram que houve um “rápido planejamento” para a ação que durou mais de 12 horas. O próprio porta-voz da PM reconheceu que as operações são para enxugar gelo. 

SOBRE O FOGO CRUZADO

O Fogo Cruzado é um Instituto que usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada, fortalecendo a democracia através da transformação social e da preservação da vida. 

Com uma metodologia própria e inovadora, o laboratório de dados da instituição produz mais de 20 indicadores inéditos sobre violência nas regiões metropolitanas do Rio, do Recife e de Salvador.

Através de um aplicativo de celular, o Fogo Cruzado recebe e disponibiliza informações sobre tiroteios, checadas em tempo real, que estão no único banco de dados aberto sobre violência armada da América Latina, que pode ser acessado gratuitamente pela API do Instituto.

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