Por Pedro Estevam Serrano, na Folha de S. Paulo –
O ex-Presidente Lula, como qualquer cidadão, pode e deve ser investigado quando haja qualquer suspeita fundada, por parte das autoridades públicas.
Mas também, como qualquer cidadão, deve ter seus direitos fundamentais, garantidos na Constituição e nas leis, observados durante a referida investigação.
Lula é investigado na Operação Lava Jato e, nesta condição, segundo parcela significativa de nossa doutrina e melhor jurisprudência, embora prevista a condução coercitiva do acusado para fins de interrogatório –no artigo 260 do Código de Processo Penal, quando não atendida intimação anterior no processo, não no inquérito– não há compatibilidade com o direito constitucional ao silencio do investigado, tal forma de condução violenta.
Vale a leitura do artigo “Qual o regime da condução coercitiva no Processo Penal do Espetáculo?”, no site Empório do Direito, de autoria de Alexandre Morais da Rosa e Michelle Aguiar.
Mesmo que se admitida a condução coercitiva nos depoimentos dos investigados no inquérito, e não apenas na oitiva de testemunhas durante o processo, segundo o referido artigo, a medida só é possível se não houver, por parte do acusado, atendimento a intimação anterior. O que não ocorreu no caso de Lula.
Ou seja, a intimação coercitiva de Lula foi totalmente ilegal e inconstitucional sob qualquer ângulo que se entenda nossos textos constitucional e legal.
O argumento utilizado, de que a medida se prestaria a garantir a segurança do ex-presidente e de pessoas por conta de possíveis manifestações, é absolutamente sem qualquer fundamento fático ou legal, primeiro pela carência de embasamento na lei.
Também existem formas, na pratica judiciária, de se ouvir o investigado de forma não violenta e discreta, comuns de serem utilizadas em casos rumorosos. Basta combinar com os advogados do réu o local e hora e manter-se a oitiva sem noticiar à imprensa.O próprio Lula já depôs dessa forma junto à Polícia Federal.
O que se viu foi o vazamento da operação já no inicio da madrugada, no Twiter do editor de uma revista de ampla circulação. Emissora de TV acompanhou o inicio da operação.
Ou seja, o que aconteceu não foi uma operação preocupada com a segurança do investigado ou de manifestantes, foi um espetáculo e não uma conduta conforme o direito, que estimulou manifestações e colocou em risco a integridade física do ex-presidente e de outras pessoas.
Tal conduta traz a suspeita de se tratar de ação mais política que jurídica, no sentido de ir construindo uma narrativa acusatória com a finalidade de desconstruir a imagem publica de Lula, algo absolutamente incompatível com um sistema judicial penal democrático e que agride, frontalmente, nossa legislação e os direitos fundamentais de nossa Constituição.
O país tem avançado muito, desde a promulgação de nossa Constituição, na apuração de delitos cometidos contra o Estado, como o de corrupção por exemplo, mas nada avançou quanto aos crimes cometidos pelo Estado contra os cidadãos, nossa lei de abuso de autoridade está em total desuso.
Com esse tipo de conduta, nosso sistema penal vai se transformando de fonte do direito em fonte da exceção.
PEDRO ESTEVAM SERRANO, 52, é professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor pela PUC-SP e tem pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Integra a defesa da empreiteira Odebrecht.