Mais um dia, como qualquer outro, na máquina de moer corpos

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Do advogado e professor José Carlos Portela Júnior no WhatsApp – 

Ontem, numa vara criminal, dois eventos novamente me fizeram ter certeza de que a justiça penal não serve para mais nada que não seja ao gozo da vingança.

Meu cliente, um guri de 19 anos, acusado de roubo sem violência física, preso há 5 meses. Não teve audiência de custódia (o juiz entendeu que a audiência de custódia é desnecessária, ainda que ele tivesse sido preso em flagrante, se a prisão fora convertida em preventiva no plantão). Entrei com habeas corpus no TJPR: negado! Argumento: a ausência da custódia é mera irregularidade que não invalida a prisão! HC impetrado no STJ: liminar negada!




Enquanto o mérito do HC não é julgado no STJ, meu cliente segue preso. Ontem foi a audiência de continuação da instrução. No momento de seu interrogatório, que ocorreu às 18h30, o réu não consegue falar, estava pálido, ameaça a desmaiar. O réu tinha ido cedo pro fórum, sem comer nada, para aguardar a audiência que começou às 18h30! O dia todo sem comer, numa microcela no fórum, sob o estresse de não saber o que ocorreria com sua vida. A promotora se compadece e lhe oferece alguma coisa para comer. O juiz afirma: “é, doutor, isso acontece com frequência”. O interrogatório é retomado e, como não seria diferente (porque interrogatório no Brasil de regra é o momento em que o juiz espera ouvir sempre a confissão do réu), as perguntas são feitas em tom acusatório, não deixando o juiz de transparecer seu pré-juízo sobre a culpa do acusado.

Encerrado o interrogatório, o réu ainda em pé esperando ser levado pela escolta, vem o grand finale de uma “Justiça” desumana. O juiz para os policiais que faziam a escolta do réu e lhes diz: “gostaria de lhes dar meus sentimentos pelo colega de vocês assassinado ontem. Mas que bom que o autor do crime teve o tratamento que merecia!” O tratamento merecido foi a execução pela polícia.

Eu, que já estava com intoxicação alimentar, tive vontade de vomitar ali mesmo na sala de audiência. Uma cena escatológica dessas só merecia da minha parte a regurgitação!

Diante desses eventos num só dia, eu me pergunto:

1) Entre os atores do sistema de justiça, será que só eu senti o fel na boca diante daquela violência contra o réu e contra o Estado Democrático de Direito?
2) Será que o réu conseguiu perceber a violência no discurso do juiz quando, na sua frente, afirma que o tratamento merecido para quem comete crime é a execução?
3) Será que milhares de Cursos de Direitos, pós, mestrados, doutorados, congressos, cursos, artigos e livros não irão conseguir mudar a mentalidade inquisitória e autoritária dos operadores do sistema de justiça penal? A quem serve o Direito?
4) E o réu? Quem se preocupa com ele? O que o levou até ali, como ele sairá disso tudo? E os outros guris de 19, 20, 21 anos que passarão por isso sem que tenhamos qualquer perspectiva de que o sistema funcionará diferente com eles?

Olha, hoje estou ruim do estômago, não sei se ainda da intoxicação ou da escrotice que vi ali transcorrer diante dos meus olhos tão surrados, mas ainda incrédulos.

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