Mais um dia na vida de uma médica no combate ao Covid-19: quando o sofrimento alheio tira esperança, vem um pai para o alento

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Por Antonieta Ozzetti (Tui), médica – 

 

O Bem Blogado volta a publicar texto da médica Antonieta Ozzetti, que está no “front”, na luta contra o covid-19.




Aqui, a doutora continua a relatar seu sofrimento com as perdas e a busca de alento para continuar em frente.

Uma carta de seu pai foi importante para que ela não se desanime com  a tragédia em que o mundo vive.

‘Ontem, quando o sofrimento alheio tirou minha esperança, recebi essa mensagem do meu pai, que copiei abaixo, no grupo da família.

Eu fiquei muito abalada com três falecimentos, em especial da mulher da minha idade, que tinha três filhos menores.

Foi o suficiente para ceifar minhas esperanças, e me sentir derrotada.

Chorei por horas! Então, corri para o colo virtual deles. Mesmo sentindo falta do calor do abraço, meu pai conseguiu me fazer enxergar o valor da minha luta, mesmo com algumas derrotas. “Chore e combata!”

Fez me lembrar a frase que minha mãe sempre me dizia quando chegava da rua chorando depois de brigar com alguém “Lute! Você é uma mulher ou um rato?”

Quero comemorar ainda muitas vitórias, sem deixar de lamentar as perdas, mas é preciso ter esperança: “A vida não vale nada sem sonhos, sem esperanças.”

#familia #luta #covid19 #resistirei  #draantonietaozzetti’

 

Segue a mensagem:

“É difícil mesmo minha filha. Nunca passei por uma situação tão crítica, mas eu a entendo a partir de situações que também mexeram comigo.

Perder pacientes nessas circunstâncias é realmente penoso, é cruel, principalmente quando você se penaliza com as consequências para os entes queridos e dependentes, dos que perdem a vida, e será ainda mais doloroso quando o desfecho irreversível vier, não só por causa da virose, mas por falta de assistência.

Mas a morte de cada um tem que te impulsionar, ainda com mais garra, para vencer a batalha que os outros estão travando com a ajuda de vocês.

O inimigo está a sua frente e do paciente, e só vocês, só a equipe, tem o preparo pode evitar que a morte vença, e eles também sabem disso.

Chore aqui, como se este fosse os nossos ombros, que não podemos fisicamente oferecer. Chore e combata.

Tenho certeza de que os que chegam até essa UTI depositam sua única esperança nos seus conhecimentos.

Muitos estão a ponto de perder tudo, mas têm vocês, e neste momento só vocês. Até por isso vocês têm que se preservar, não podem adoecer, não podem baixar a guarda, busque em nós a força mental necessária, pense que estamos aqui para nos solidarizar com suas inevitáveis derrotas, mas estamos aqui também para nos regojizar com as muitas vitórias.

Sabemos que sairá dolorida no físico e na alma. Mas a queremos inteira.

Divida conosco suas dores.

Nas suas postagens para fora da família passe a esperança que todos necessitam, sem deixar de orientar para o cuidado responsável que cada um deve ter. É bom que as pessoas saibam, também, das vitórias que vocês têm conseguido.

Tui, como você pode falar que não pode passar esperança, como se você não a tivesse mais?

Você diz que metade se salva, como condenar todos à desesperança, mesmo os que morrem merecem ter alguma esperança até o fim.

Passar esperança de que a vida é possível, mesmo para um doente grave é a principal tarefa de quem cuida. E o cuidado, você bem sabe é, muitas vezes, tão importante quanto curas heróicas, já que estas dependem mais da natureza do que de nós mesmo.

É tudo uma questão de ponto de vista. Posso olhar por esse ângulo, pelas mortes, pelas sequelas, agora pergunte por qual ângulo enxerga uma família que teve de volta, em boas condições, o seu ente querido?

Se pergunte se fosse eu ou Mainha que tivéssemos saído de uma situação dessa?

Agora lhe pergunto: por que olhar só do ângulo negativo?

Lembra daquele senhor que ao ser “extubado” soube do nascimento de seu bisneto? Lembra da festa que a família fez, com a notícia de “extubação”? Alguém da família lhe perguntou das possíveis sequelas? Se você tivesse certeza de uma sequela e falasse isso para a família, você acha que alguém lhe diria que era, então, preferível deixá-lo morrer?

Se daqui um mês, você, ao sair desse serviço, me disser que tudo foi muito ruim, todos seus pacientes morreram, mas que você contribuiu para entregar de volta, com vida só aquele senhor do bisneto, eu vou pensar que tudo valeu a pena. Afinal, como você já publicou, quanto vale a vida de um idoso para sua família? Você falou UMA VIDA.

O valor da vida não se mede por números, e o valor da esperança como bálsamo para aliviar as dores da alma, também é difícil de ser medido, mas a repercussão do seu primeiro texto provou que a carência desse bálsamo é muito grande.

Para você que está na linha de frente de batalha, que é importante que preserve sua força mental, não é hora de perder energias com as falas patológicas do Presidente, deixe isso para nós que, em quarentena, temos que colocar nossas energias em alguma coisa.

Passe esperanças para seus pacientes, primeiramente, e depois para todos nós. A vida não vale nada sem sonhos, sem esperanças.

Ninguém acha que conseguir uma sociedade justa, sem explorados e sem exploradores, é uma coisa fácil, é uma tarefa de poucos anos, de poucas gerações, mas se não sonhamos com isso, se não tivermos esperança, se pensarmos nos enormes obstáculos, nas inúmeras derrotas que enfrentaremos, aí então nos tornaremos céticos, e sentados a beira da estrada não enxergaremos o processo civilizatório passar.

É assim que você pode optar por valorizar o copo meio cheio ou o meio vazio. Enxergar. Você tem que enxergar a parte que está vazia e a cheia, mas valorizar é outra coisa.”

*Doutora Antonieta Ozzetti é  médica geriatra e trabalha no Hospital Beneficência Portuguesa e no Hospital das Clínicas, em São Paulo

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