Compartilhado de Brasil 247 –
Filósofo e um dos mentores do candidato do PDT afirmou que foi um erro recusar aliança com Lula e o PT. Para Luis Nassif, Mangabeira esclarece as razões que levaram ao racha da esquerda e à eleição de Bolsonaro
RBA, a partir de Luis Nassif no GGN – Para Mangabeira Unger, abrir mão do cacife eleitoral de Lula foi um gesto de arrogância mortal para a candidatura Ciro Gomes
As duas entrevistas de Roberto Mangabeira Unger – ao Valor (clique aqui) e à Folha (clique aqui) – esclarecem de vez as razões objetivas que levaram ao racha das esquerdas e à eleição de Jair Bolsonaro.
Mangabeira confirma o relato de Fernando Haddad, de que foi oferecido a Ciro o papel posteriormente desempenhado pelo próprio Haddad, de ser o vice-presidente na chapa de Lula e assumir a candidatura quando Lula fosse impedido.
Teria sido a fórmula ideal. Ciro seria imediatamente catapultado para a liderança e com sua retórica eficiente teria condições de vencer Bolsonaro no 2º turno.
Ciro esbarrou mais uma vez em seu grande defeito político. É bom para as grandes estratégias e péssimo para as definições táticas, prisioneiro de um temperamento forte, com uma autossuficiência deletéria, não se enquadrando nos limites dos pactos partidários. Quando a estratégia é bem-sucedida, entra em alpha e considera que tem a força. E não consegue identificar os limites políticos para entrar na etapa seguinte.
Sua visão era a de que o período Lula estava definitivamente encerrado e caberia a ele, Ciro, inaugurar o novo tempo, sem depender do lulismo. Como Mangabeira deixa claro, Ciro confundiu posições táticas com estratégicas.
No plano estratégico, era mais que hora do lulismo ceder espaço a uma nova etapa, diluindo o protagonismo excessivo do PT, principal combustível do pacto político mídia-Judiciário, e trabalhando as novas classes que surgiam – e que Mangabeira corretamente identifica como o novo empreendedorismo.
Ora, esse movimento era claro para o próprio Lula. Quando tentou a aproximação com Eduardo Campos, sabia a dificuldade para o PT superar a matriz original e abrir espaço para o novo temp.
No plano tático, no entanto, abrir mão do cacife eleitoral de Lula foi um gesto de arrogância mortal. Não adiantou Haddad dizer que Ciro estava minimizando não apenas a influência de Lula, mas 70 anos de tradição trabalhista no Brasil. Como pretendia montar uma frente deixando de lado o principal ator político das oposições nas últimas décadas?
Sua visão estratégica foi bem-sucedida. Desenvolveu o discurso mais eficiente de oposição à direita racional, de Geraldo Alckmin, e, depois, à direita insana de Jair Bolsonaro, um discurso denso, com propostas racionais e criativas, e uma retórica de guerra adequada para desmontar a agressividade vazia de Bolsonaro.
Na frente tática, esboroou-se.
Depois que perdeu as eleições, a ira posterior de Ciro contra o PT, foi apenas uma tentativa psicológica de enfrentar a ideia insuportável de que foi ele próprio que jogou fora a presidência por um gesto mal pensado.
Nenhum de seus argumentos se sustenta:
1. A alegação de que não queria comprometer seu projeto de país com o do PT.
Como bem lembra Mangabeira, uma coisa é aliança tática, visando ganhar as eleições e impedir o mal maior. Outra coisa, o projeto de governo, que é atribuição exclusiva do presidente da República. Ele seria o líder inconteste do projeto.
2. A alegação de que o PT não era aliado confiável.
Como assim? Alianças se formam em torno de propostas, conceitos e campos de interesse. Havia um amplo campo de interesses comuns para consolidar alianças com os partidos de esquerda, incluindo o PT, assim como um amplo arco de partidos de oposição, de centro-direita, para contrabalançar. Um político habilidoso deitaria e rolaria em um quadro desses. Seria um quadro confuso apenas para políticos com dificuldades para dialogar.
3. As acusações de que foi esfaqueado pelas costas, com o acordo do PT com o PSB também não se sustentam.
Queria o quê? Que depois de esnobado por Ciro Gomes, o PT abrisse mão de alianças estratégicas, para não melindrar o adversário? E porque foi possível uma aliança, conduzida por Lula, que interferiu nas eleições de Pernambuco e Minas Gerais? E por que estados como a Bahia e o Maranhão que, em circunstâncias normais estariam com Ciro, mantiveram-se fiéis ao candidato do PT? Por conta do prestígio político de Lula, que Ciro minimizou.
Esses embates ajudaram a realçar a posição desprendida de Haddad que, em todos os momentos, colocou os interesses do país acima de seus interesses pessoais: quando apoiou a indicação de Ciro; e, depois, quando encarou o desafio de conduzir uma campanha presidencial perigosa.