Publicado em Justificando –
Por 2 votos a 1, o Tribunal de Justiça do Rio do Janeiro (TJRJ) manteve a prisão de Rafael Braga, preso por tráfico de drogas com base única nas palavras do policial que efetuou a prisão e cujo depoimento foi posto em dúvida por testemunha ocular e pelo próprio acusado. Rafael se tornou símbolo da discussão acerca do racismo no Poder Judiciário, especialmente por ele também ter sido o único condenado brasileiro no contexto dos protestos de 2013, sob a acusação de “porte de explosivos” consistente em uma garrafa de desinfetante e uma garrafa de água sanitária.
Ao Justificando, a colunista e feminista negra Joice Berth afirmou que “o TJRJ deu um importante recado para toda a população negra do Brasil. O recado foi: Somos racistas sim e decidimos manter solenemente as estruturas criminosas que vitimam pessoas negras, enquanto desfrutamos das benesses sociais construídas pelos seus antepassados em 4 séculos de exploração grotesca e covarde”.
Para Joice, Judiciário perdeu de vez os brios para implementar uma série de entendimentos racistas que legitimam a morte de pessoas negras pelo Estado, bem como o hiper encarceramento. “A manutenção da Casa Grande não poderia estar melhor traduzida pelo judiciário que, perdeu de vez os brios e segue seu projeto de dizimação da população negra no país, seja por morte sistemática nas mãos da polícia autorizada pelo Estado a continuar com a barbárie silenciosa, seja pelo encarceramento arbitrário comprovado e vergonhoso que é tratado com todo descaso possível”, explica Joice.
“Como disse a Senhora Diva, em seu discurso na FLIP, ainda não estamos libertos, a Escravização não acabou, ela só se sofisticou. Negros e Negras são vítimas dos piores intentos racistas, à luz de toda uma sociedade de minoria quantitativa branca que se nega a assumir sua parcela de culpa histórica”, completou Joice.
“A manutenção da prisão de Rafael Braga não é algo excepcional em casos de prisão de tráfico de drogas. O movimento negro tem a luta pela liberdade de Rafael Braga como símbolo de luta contra o Racismo, mas na real Rafael Braga é mais um jovem negro e pobre, que é preso pela política criminal de drogas. Sem dúvida que Rafael Braga é um preso político, só que ele é um preso de uma política de segurança. A mesma política que mata e encarcera pessoas negras todos os dias”, disse Henrique Oliveira, mestrando em História pela UFBA, militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia e autor do artigo Rafael Braga e Breno Borges: quando 9g de racismo pesam mais que 129kg de maconha, que contou com centenas de milhares de leitores(as).
Oliveira destaca que a manutenção de prisão de Rafael é consequência da presunção absoluta de veracidade concedida a policiais militares que efetuam prisão de pessoas negras. “O Judiciário despreza os vários casos de abuso de autoridade policial e a prática de forjar flagrantes. Como vimos recentemente na investigação no Rio de Janeiro na Operação Calabar que prendeu vários policiais corruptos. O movimento negro precisa dar atenção necessária a relação entre proibição das drogas e racismo”, explica.
Nas redes sociais, o assunto dominou a pauta. O advogado de Rafael Braga, Lucas Sada, informou que irá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. O STJ, assim como o Supremo, desenvolveu nos últimos anos uma enorme resistência ao Habeas Corpus por meio de entendimentos judiciais, o que foi e tem sido intensamente criticado no meio jurídico. Na gigantesca maioria dos casos, o pedido sequer é analisado, mas em casos considerados como “teratológicos”pelas cortes – isto é, quando extrapola qualquer noção de razoabilidade -, abre-se uma exceção para análise do pedido de liberdade.
No campo da militância e do movimento negro, reclama-se muito da falta de mobilização dos campos progressistas em torno da causa de Rafael Braga, do racismo institucional e do hiper encarceramento de pessoas negras, como as ativistas Stephanie Ribeiro e Andreza Delgado.
Luiza Sansão, jornalista da Ponte Jornalismo que cobre o caso de Rafael Braga desde o início narrou o clima de desolação nos corredores do tribunal após a decisão dos desembargadores:
No Twitter, a manutenção da prisão de Rafael Braga repercutiu intensamente por ativistas, políticos e artistas que lembraram o racismo institucional, a seletividade do sistema penal, bem como lembraram o episódio do Breno Borges, filho de uma presidente do TRE do Mato Grosso do Sul, que foi preso com 129 quilos de maconha, munição e armas, mas que obteve Habeas Corpus e foi internado em uma clínica de reabilitação.