Mapas, sereias, super-heróis e outras abstrações na era da ignorância exuberante

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IBGE põe Brasil no centro do planeta, numa abordagem decolonial da cartografia, e sacode os tolos digitais que nos atormentam

Por Aydano André Motta, compartilhado de Projeto Colabora




Entre 1996 e 2001, a série americana ”3rd Rock from the Sun” narrou as aventuras de quatro extraterrestres disfarçados na Terra como uma família. O nome em inglês se referia à posição do planeta na galáxia – “terceira pedra a partir do Sol”. Ou seja: estamos numa rocha (redonda, redonda!!!!) flutuando no espaço. Assim, a posição de continentes, oceanos, países, ilhas e polos será ao gosto do freguês, a partir da referência que se estabelecer. Certo?

Errado – para os ignorantes exuberantes (e barulhentos) que grassam desavergonhadamente pelas redes sociais.

Leu essa? A urgência da cartografia digital

O IBGE lançou essa semana, em evento do G20 no Rio, a 9ª edição do Atlas Geográfico Escolar com mapa-múndi no qual o Brasil e, claro, as Américas aparecem no centro. África e Europa ficam à direita; Ásia e Oceania nas pontas. Como a linha do Equador atravessa o extremo norte do nosso território, dá-se o destaque, bem no meio da representação.

O mapa-múndi proposto pelo IBGE: Brasil no centro e pensamento decolonial. Reprodução
O mapa-múndi proposto pelo IBGE: Brasil no centro e pensamento decolonial. Reprodução

Além de aumentar o protagonismo brasileiro, faz questionar conceitos de centro e periferia, impostos pelas formulações cartográficas tradicionais. Nome do jogo: colonização, no sentido mais amplo da palavra. Ao desenhar seus mapas, os europeus se aboletaram no alto e no meio, indicando a importância que, ao longo dos séculos, usaram a violência para conquistar. Uma espécie de aval ilustrado da sanha hegemônica. E durante décadas, as escolas do mundo seguiram as referências.

Mas veio o pensamento decolonial, para redesenhar a aventura humana e corrigir muita história errada. De inestimáveis serviços prestados à sociedade brasileira, o Instituto das estatísticas – do Censo, da Pnad e tantas outras – evocou o “Geográfico” que carrega em sua sigla, oferecendo contribuição preciosa aos brasileiros, para decifrar o mundo da maneira devida.

Mas, na lamentável era do bate-boca digital, deu ruim. O perfil do IBGE no Instagram recebeu uma torrente de comentários intolerantes, preconceituosos – e obtusos. “O Meridiano de Greenwich passa no Brasil agora que legal! Kk”, atacou o autodenominado Rodrigo Abi Saber, referindo-se equivocadamente à linha que cruza o Reino Unido e divide o planeta em leste e oeste (na perspectiva europeia). “Educação Paulo Freire. Idiotices a todo vapor”, berrou Zinalton Andrade. “Único (sic) coisa q vejo o Brasil como o centro do mundo seria a (sic) categorias corrupção, ignorância, analfabetismo”, gritou Caio Makalski.

Os conservadores digitais invocam o patriotismo como predicado (“Brasil acima de tudo”, “Nossa bandeira nunca será vermelha”, urram em suas aglomerações cada vez menores), mas são os primeiros a diminuir o país. Idolatram os Estados Unidos, migram para Portugal e, sobretudo, bradam o paradoxo de menosprezar a terra onde vivem. Como todo o resto, faz nenhum sentido.

Mas os cães podem ladrar que a caravana passa. Até o início da noite de quarta-feira (17), o post teve exatos 402 comentários e 12.655 curtidas – a maioria, ufa!, saudando o lançamento, para mostrar o acerto da iniciativa. O debate, aliás, tem a cara do nosso tempo: sequer faz sentido. Mapas são o que a gente quiser. Depende de onde se olha – e do que se pretende comunicar.

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