Mapbiomas: Matopiba passa Amazônia e lidera desmatamento no Brasil

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Cerrado registrou mais da metade de toda a área desmatada no Brasil em 2023; Maranhão foi o estado com a maior perda de vegetação nativa

Por Observatório do Clima, compartilhado de Projeto Colabora




Área de Cerrado desmatada no Maranhão: MapBiomas aponta que Matopiba assumiu liderança do desmatamento (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace)

Nos últimos cinco anos o Brasil perdeu 8.558.237 hectares de vegetação nativa, o equivalente a duas vezes o estado do Rio de Janeiro. Entretanto, segundo dados da mais recente edição do RAD – Relatório Anual do Desmatamento no Brasil do MapBiomas, 2023 trouxe, pelo menos, uma boa notícia: a de 11,6% na área desmatada. Ao todo, 1.829.597 hectares de vegetação nativa foram suprimidos em 2023; em 2022, esse total foi de 2.069.695 hectares.

Nem todos os sinais de 2023 foram positivos. Os dois maiores biomas do Brasil – Amazônia e Cerrado – somam mais de 85% da área total desmatada no país, mas, pela primeira vez desde o início da série do MapBiomas Alerta, em 2019, o Cerrado ultrapassou a Amazônia em termos de área desmatada. Em 2023, o Cerrado correspondeu a 61% da área desmatada em todo o país e a Amazônia por 25%. Foram 1.110.326 hectares desmatados no Cerrado, em 2023, um crescimento de 68% em relação a 2022. Quase todo o desmatamento do país (97%) teve a expansão agropecuária como vetor.

Juntos, os quatro estados do Cerrado (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) que formam a região conhecida como Matopiba ultrapassaram a área desmatada nos estados da Amazônia e responderam por quase metade (47%) de toda a perda de vegetação nativa no país no ano passado. Foram 858.952 hectares – um aumento de 59% em relação ao ano de 2022, o qual já havia registrado aumento (36%) em relação a 2021. “Os dados apontam a primeira queda do desmatamento no Brasil desde 2019, quando se iniciou a publicação do RAD. Por outro lado, a cara do desmatamento está mudando no Brasil, se concentrando nos biomas onde predominam formações savânicas e campestres e reduzindo nas formações florestais”, destaca Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.

O Cerrado, que já perdeu mais da metade de sua vegetação nativa, passou a ser o protagonista do desmatamento no país, o que torna essa condição ainda mais preocupante

Ane Alencar

Coordenadora do MapBiomas Cerrado e diretora de Ciência do IPAM

De acordo com o relatório, divulgado nesta terça-feira em evento em Brasília, três em cada quatro hectares desmatados no Cerrado em 2023 (74%) foram no Matopiba. Dois terços (33) dos 50 municípios que mais desmataram no Brasil em 2023 ficam no Cerrado, sendo que todos os 10 municípios com maior área desmatada no Cerrado em 2023 estão localizados no Matopiba. Dos quatro estados do Matopiba apenas o Piauí teve redução das área desmatada. Nos demais – Bahia, Tocantins e Maranhão – a área desmatada cresceu. O Maranhão saiu da quinta posição para a primeira posição pela primeira vez, com um aumento de 95,1% e totalizando uma perda de 331.225 hectares de vegetação nativa. No caso do Tocantins, o crescimento foi de 177,9%. Com 230.253 hectares desmatados, o estado foi o terceiro maior desmatador do país em 2023, atrás da Bahia, com 290.606 hectares e um crescimento de 27,5% em relação a 2022.

O ranking dos cinco estados com maior área desmatada no Brasil inclui ainda dois líderes históricos – Pará e Mato Grosso – porém com sinal invertido: queda de 60,3% no primeiro e de 32,1% no segundo. O desmatamento em território paraense foi de 184.763 hectares; no Mato Grosso, 161.381 hectares.

Essa mudança se refletiu também no tipo de vegetação suprimida, Em 2023, pela primeira vez, houve o predomínio de desmatamento em formações savânicas (54,8%) seguido de formações florestais (38,5%) que predominaram nos quatro primeiros anos do levantamento. Em 2023, a área média desmatada por dia foi de 5.013 hectares – ou 228 hectares por hora. Mais da metade foi no Cerrado, onde foram perdidos 3.042 hectares de vegetação nativa por dia. Na Amazônia, foram perdidos 1.245 hectares por dia, o que equivale a cerca de 8 árvores por segundo. O dia com maior área desmatada em 2023 foi 15 de fevereiro, quando em apenas 24 horas estima-se que foi desmatada uma área equivalente a quase seis mil campos de futebol.

Cabe destacar que, no Cerrado, além dos sistemas de detecção já utilizados nos anos anteriores, também foi incorporado de forma operacional o sistema de detecção de alertas SAD Cerrado (IPAM). Portanto, o incremento no Cerrado se deve ao aumento do desmatamento, ao melhoramento dos sistemas de detecção e à integração de uma nova fonte de detecção.

Apesar de apenas 0,96% dos imóveis cadastrados no CAR terem registro de desmatamento em 2023 no Brasil, eles responderam por 89% das áreas desmatadas do país. Do total de 71.689 imóveis cadastrados no CAR com desmatamento validado em 2023, 43,1% foram reincidentes, ou seja, já tiveram registro de desmatamento em anos anteriores.

Para estimar o quanto do desmatamento no Brasil não tem indícios de irregularidade ou de ilegalidade, cada alerta é avaliado considerando alguns critérios como se há autorização cadastrada nas bases de dados oficiais, ou se há sobreposição com áreas protegidas (ex. Unidade de Conservação de Proteção Integral, Reserva Legal, Área de Preservação Permanente). O RAD identificou, considerando autorizações dos estados que disponibilizaram dados publicamente, que 4,04% de toda a área desmatada no Brasil nos últimos cinco anos não tem indícios de ilegalidade ou irregularidade, segundo as bases disponíveis para análise. Para o ano de 2023, mais de 93% da área desmatada no Brasil teve pelo menos um indício de irregularidade.

Desmatamento em região do bioma Cerrado: MapBiomas aponta que, em 2023, o Cerrado correspondeu a 61% da área desmatada em todo o país (Foto: Adriano Gambarini / WWF)
Desmatamento em região do bioma Cerrado: MapBiomas aponta que, em 2023, o Cerrado correspondeu a 61% da área desmatada em todo o país (Foto: Adriano Gambarini / WWF)

Cerrado lidera desmatamento também em territórios protegidos

A liderança do Cerrado em área de desmatamento em 2023 reflete-se em outros indicadores. É no Cerrado, por exemplo, que está o maior alerta de desmatamento do Brasil: uma área de 6.691 hectares, no município do Alto Parnaíba (MA). É também onde foi detectado o alerta com a maior velocidade média diária: 944 hectares em 8 dias, no município de Baixa Grande do Ribeiro (PI).

É no Cerrado que fica o Território Indígena (TI) com maior área desmatada no país no ano passado: Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, com cerca de 2.750 hectares. Ao todo, foram perdidos 7.048 hectares de vegetação nativa em TIs no Cerrado, um aumento de 188% em relação a 2022. Em todo o Brasil, ao contrário, houve queda no desmatamento em TIs (ver abaixo).

Houve redução no tamanho médio dos alertas e na área desmatada na maioria dos estados da Amazônia, incluindo a crítica região do Amacro. Por outro lado, observa-se um possível deslocamento deste desmatamento, que está crescendo em outros biomas, particularmente no Cerrado, que apresentou a maior área desmatada no Brasil em 2023

Larissa Amorim

Engenheira florestal da equipe Amazônia do MapBiomas

A mesma inversão de tendência foi constatada em territórios quilombolas (TQs) e Unidades de Conservação (UCs). Em TQs, o aumento na área desmatada foi de 665%, com 2.555 hectares. É no Cerrado que fica o TQ com maior área desmatada do país: Barra do Aroeira (1.597 hectares desmatados). A Área de Proteção Ambiental (APA) mais desmatada no Brasil em 2023 também fica no Cerrado: APA do Rio Preto, com 13.596 hectares desmatados.

Com exceção do Piauí, São Paulo e Paraná, todos os outros estados do Cerrado registraram aumento do desmatamento em 2023 na comparação com 2022. No caso do Maranhão, Tocantins, Goiás, Pará e Distrito Federal, a área desmatada mais do que dobrou.

São Desidério (BA) lidera o ranking dos municípios que mais desmataram no país em 2023, com 40.052 hectares. No ano passado, 70% dos municípios do Cerrado registraram pelo menos um evento de desmatamento. “O Cerrado, que já perdeu mais da metade de sua vegetação nativa, passou a ser o protagonista do desmatamento no país, o que torna essa condição ainda mais preocupante”, ressalta Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Cerrado e Diretora de Ciência do IPAM.

Desmatamento no município de Careiro da Várzea, no Amazonas: queda de 62% na área desmatada da Amazônia em 2023 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Desmatamento no município de Careiro da Várzea, no Amazonas: queda de 62% na área desmatada da Amazônia em 2023 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Queda do desmate nos estados na Amazônia

Na Amazônia, a área desmatada em 2023 foi de 454,3 mil hectares – uma queda de 62,2% em relação a 2022. Houve redução em todos os estados, exceto no Amapá, onde constatou-se crescimento de 27% no desmate. Na região de Amacro, que reúne os estados do Amazonas, Acre e Rondônia – e que já foi considerada a nova frente de desmatamento do Brasil – houve queda de 74% na área desmatada, que ficou em 102.956 hectares em 2023.

O maior desmatamento verificado na Caatinga foi impulsionado pela expansão de atividades agropecuárias, principalmente na fronteira agrícola do Matopiba. Um exemplo é o município de Barra, na Bahia, onde há registro do maior desmatamento e alerta no bioma. Um fenômeno que capturamos é o desmatamento para fins de implantação de parques solares e eólicos crescendo pelo bioma

Washington Rocha

Geólogo e coordenador do MapBiomas Caatinga

Dos 559 municípios do bioma Amazônia, 436 tiveram algum desmatamento detectado em 2023, ou 78% do total. Em todos os 10 municípios que mais desmataram na Amazônia houve queda. Dos 50 municípios que mais perderam vegetação nativa em 2023, 13 estão presentes na lista de municípios do bioma Amazônia considerados prioritários (Portaria GM/MMA 834 de 2023) e todos eles apresentaram queda na área desmatada em relação a 2022.

“Houve redução no tamanho médio dos alertas e na área desmatada na maioria dos estados da Amazônia, incluindo a crítica região do Amacro. Por outro lado, observa-se um possível deslocamento deste desmatamento, que está crescendo em outros biomas, particularmente no Cerrado, que apresentou a maior área desmatada no Brasil em 2023”, aponta a engenheira florestal Larissa Amorim, da equipe de Amazônia do MapBiomas.

Redução da perda de florestas no Pampa

O Pampa registrou uma queda de 50% na área desmatada em 2023, que totalizou 1.547 hectares. Dos 231 municípios do bioma, 97 tiveram algum desmatamento detectado em 2023, ou seja 42% do total. Em apenas cinco deles ocorreu mais da metade (51%) do total desmatado no bioma: Encruzilhada do Sul (334 hectares), Piratini (208 hectares), Herval (130 hectares), Canguçu (77 hectares) e Bagé (49 hectares). Mais de três quartos (77,7%) da área desmatada é de formações florestais; um pouco menos de um terço (21,9%), de formação campestre. No entanto, os atuais sistemas de detecção do desmatamento no Pampa (como GLAD e SAD Pampa) estão calibrados para a supressão das florestas e, por conta disso, ainda não monitoram a supressão da vegetação campestre de modo eficiente. Justamente esta que é a vegetação nativa típica e predominante nesse bioma.

“Se considerarmos os dados de mapeamento da Coleção 8 do MapBiomas, nos últimos cinco anos a média anual da área removida de vegetação campestre foi de 146 mil hectares. Logo, a queda observada na remoção das florestas em 2023, embora seja um dado positivo, não reflete a realidade de todos os tipos de vegetação nativa do bioma. Isso reforça a necessidade de aprimorar os sistemas de detecção do desmatamento, especialmente para a vegetação campestre, especialmente neste momento em que se tornam mais clara as relação entre a perda de vegetação nativa e a intensidade das enchentes”, detalha Eduardo Vélez da equipe do Pampa do MapBiomas.

Corumbá responde por metade do desmatamento do Pantanal

Em 2023 o Pantanal registrou a maior área média dos eventos de desmatamento entre os biomas (158,2 hectares) e um aumento de 59,2% no desmatamento em relação a 2022. Ao todo, 49.673 hectares de vegetação nativa foram suprimidos no ano passado. Pelo terceiro ano consecutivo o Pantanal apresentou a maior velocidade média de desmatamento: 2,1 hectares/dia por evento de desmatamento. Formações florestais e savânicas respondem por 73% do desmatamento no bioma. A quase totalidade (99 %) do desmatamento no bioma está em áreas privadas registradas no CAR.

A agropecuária ainda é o principal vetor de desmatamento na Mata Atlântica, além da expansão das cidades; em 2023, observamos áreas desmatadas por desastres naturais causados pelas chuvas em São Paulo e por mineração em Minas Gerais

Natália Crusco

Coordenadora técnica da equipe Mata Atlântica do MapBiomas

O município de Corumbá (MS) responde por 60% do território do Pantanal e por metade do desmatamento registrado no bioma no ano passado. É também o quinto município que mais desmatou no Brasil em 2023. Mais da metade (52%) do desmatamento do Mato Grosso do Sul está no Pantanal (bioma que representa menos de um terço do território do estado).

Além de eventos extremos de seca no bioma, o desmatamento tem sido uma outra grande ameaça ao Pantanal. “O desmatamento de florestas e savanas para a formação de pastagem exótica acontece em grande escala. A preservação dessas áreas florestadas e o manejo das pastagens são fundamentais para a manutenção da biodiversidade de fauna e flora, em conjunto com os sistemas tradicionais de pecuária do Pantanal’’, explica Eduardo Rosa, coordenador da equipe do Pantanal do MapBiomas.

Caatinga: desmatamento cresceu em todo o bioma

Mais de um quinto (22%) dos alertas validados em todo o Brasil em 2023 foram na Caatinga, que respondeu por 11% da área desmatada no Brasil no ano passado. Foram 201.687 hectares – um aumento de 43,3% em relação a 2022.

Houve registro de pelo menos um evento de desmatamento em 1.047 (87%) dos 1.209 municípios que compõem o bioma Caatinga em 2023. Mais de 4.302 hectares foram desmatados por empreendimentos de energia renováveis (eólica e solar).

Dentro do bioma, a Bahia lidera o desmatamento, com 93.437 hectares – um aumento de 34% em relação a 2022. Em seguida vem o Ceará, com 32.486 hectares, que representaram um crescimento de 28%. O maior aumento percentual foi registrado no Rio Grande do Norte: 62% (total de 9.133 hectares). Em apenas um estado houve redução no desmatamento: Pernambuco, com 15.996 hectares – uma queda de 35% em relação a 2022.

“O maior desmatamento verificado na Caatinga foi impulsionado pela expansão de atividades agropecuárias, principalmente na fronteira agrícola do Matopiba. Um exemplo é o município de Barra, na Bahia, onde há registro do maior desmatamento e alerta no bioma. Um fenômeno que capturamos é o desmatamento para fins de implantação de parques solares e eólicos crescendo pelo bioma”, explica o geólogo Washington Rocha, coordenador da equipe da Caatinga do Mapbiomas.

Desmatamento na Mata Atlântica caiu 59%

Em 2023, 12.094 hectares de Mata Atlântica foram desmatados – uma queda de 59% em relação ao ano anterior. A redução ocorreu em todos os estados do bioma, tanto em área desmatada quanto em número de alertas. No bioma, Minas Gerais reduziu a área desmatada em 60% (mais de 7 mil hectares); na Bahia, a queda foi de 53%; no Paraná, foi de 71%. Apesar disso, dos 10 municípios que mais desmataram, os dois primeiros ficam na Bahia e os oito restantes em Minas Gerais.

A média de área desmatada por dia e a média de eventos de desmatamento reduziram em mais de 50% em relação a 2022. As maiores reduções em proporção foram observadas nos alertas maiores de 100 hectares: 88% menos área desmatada se comparado a 2022 e 90% menos eventos de desmatamento.

“A agropecuária ainda é o principal vetor de desmatamento na Mata Atlântica, além da expansão das cidades; em 2023, observamos áreas desmatadas por desastres naturais causados pelas chuvas em São Paulo e por mineração em Minas Gerais”, aponta Natalia Crusco, coordenadora técnica da equipe da Mata Atlântica do MapBiomas. “Os dados do desmatamento na Mata Atlântica são compatíveis com o aumento das ações de combate à ilegalidade do bioma que tem a menor proporção de remanescentes no país. A trajetória aponta que o compromisso com o desmatamento zero pode ser alcançado na Mata Atlântica”, acrescenta Luis Fernando, coordenador da equipe da Mata Atlântica do MapBiomas.

Redução do desmatamento em Áreas Protegidas

Em 2023, 20.822 hectares de vegetação nativa dentro de Terras Indígenas (TIs) foram suprimidos, o que representa 1,1% de todo o desmatamento no ano. Foi uma redução de mais de 27% no desmatamento em TIs em relação a 2022.

Foram perdidos 96.761 hectares de vegetação nativa dentro de Unidades de Conservação (UCs) em 2023, o que representa uma redução de 53,5% em relação a 2022. Em UCs de Proteção Integral, a redução foi de 72,3%. A maior perda de vegetação nativa em UCs ocorreu em APAs Estaduais no Cerrado, totalizando 41.934 hectares desmatados.

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