Rejeição a Lula aumenta em meio à crescente guerra de desinformação, aponta a jornalista Magali Cunha; assista
Por Ana Gabriela Sales, compartilhado de GGN
A aprovação do trabalho do presidente Lula recuou três pontos percentuais de dezembro para cá e o índice foi puxado pela opinião dos evangélicos, que tem maioria formada contra as declarações do mandatário sobre Israel. Esses são os dados da pesquisa Quaest, repercutida pelos portais de notícias na quarta-feira (6). Mas para a jornalista Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião, essa é uma avaliação “simplista” dos dados.
Em entrevista ao jornalista Luís Nassif, no programa TVGGN 20 Horas, no Youtube, Magali apontou que o crescimento da imagem negativa de Lula vai além da rejeição pública sobre a comparação das ações de Israel na guerra em Gaza ao extermínio de judeus na Alemanha nazista. O fenômeno acontece em meio a nova crescente da guerra da desinformação, propagada pela extrema-direita. [Assista abaixo]
“De janeiro para cá, nós que trabalhamos com monitoramento de grupos de influenciadores religiosos, percebemos que há um verdadeiro bombardeio de conteúdos falsos. Esses conteúdo não passam só por essa questão da fala de Lula sobre Israel – que foi muito explorada -, mas outros pontos, por exemplo, a questão da perseguição a cristãos; da liberação de drogas; liberação do abordo; esse imaginário do comunismo que sempre é alimentado; a questão sexual envolvendo crianças e adolescentes, a exemplo do caso Marajó; a alta nos preços de alimento, que também vem sendo muito explorada, para atingir principalmente aquele grupo que recebe de dois a cinco salários mínimos”, explicou.
A pesquisadora vai a fundo e afirma ainda que a grande mídia tem responsabilidade sobre a desinformação propagada. “Esse bombardeio também é alimentado pela grande mídia, não é só por influencers religiosos. Há muitas notícias com um título enganoso, que leva os leitores a pensar negativamente sobre certas pautas, mas quando vamos ler o corpo da matéria é outra coisa”, pontuou.
“Nós temos um momento muito grave do ponto de vista da comunicação e da informação, que passa pelos produtores e disseminadores da desinformação – que nós chamamos de influenciadores das fake news. Mas a grande mídia também tem o seu papel municiando o conteúdo que possa ser trabalhado por esses grupos”, acrescentou.
‘Os evangélicos’ não existem
Magali ressaltou também a necessidade de qualificar os números, para que análises rasas possam ser evitadas e as causas dos problemas reais, compreendidas.
“Os evangélicos foram os mais destacados nessa questão da pesquisa Quaest, inclusive no noticiário também da mídia alternativa, mas nós temos um problema porque ‘os evangélicos’ não existem. O que existe é uma população que tem uma vinculação religiosa que é evangélica, mas nem todo evangélico é igual. Temos evangélicos de diferentes correntes, igrejas e ideologias”, disse.
“O evangélico ou a evangélica não é só evangélico na vida. Inclusive, pesquisas do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] nos mostram que esses evangélicos são, na maioria, mulheres, negras, de periferia e numa faixa etária de 25 a 40 anos. Há várias questões que envolvem esse perfil que não são só religiosas”, explica Magali.
“Temos que qualificar os números, porque os números são uma coisa fria, são úteis, dos quais a gente trabalha, mas os números têm elementos que vão para além deles, tem muita vida por trás desses números e é preciso qualificar essas vidas”, pontua.
Neste cenário, a pesquisadora chama atenção para outros personagens que fazem parte desses grupos conservadores, menos simpáticos ao atual governo. “Há uma hegemonia conservadora entre os grupos evangélicos e católicos, que ficam um pouco na sombra da cena pública, porque os evangélicos tendem a ganhar mais visibilidade e os grupos católicos conservadores ganham menos, mas estão atuando com muita intensidade”, afirma.
Luz no fim do túnel?
Se há algum ponto positivo sobre o último levantamento da Quaest, Magali aponta para a crescente taxa de brasileiros que têm deixado de apoiar Israel diante do massacre de palestinos.
Segundo os dados no fim de outubro, pouco depois de Israel ser atacado pelo Hamas, 52% dos brasileiros diziam ter opinião favorável ao país governado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Agora, após a morte de mais 30 mil palestinos em Gaza, o percentual caiu para 39%.
“A pesquisa me surpreendeu com o número de pessoas mais críticas a Israel e isso é questionável, é um número interessante. Uma faixa de 39% tem uma postura mais crítica e esse é um número que vem crescendo desde outubro. Então, esse é um elemento interessante porque o que nós temos agora – que não tínhamos antes – é o poder das mídias sociais de também veicular conteúdos que a grande imprensa nega a população”, destacou.
“Se a grande imprensa nega o retrato da situação de Gaza, da situação de massacre que ocorre lá, nas mídias sociais há vinculação de muitos conteúdos. São vídeos, fotos, narrativas de pessoas que estão lá e as pessoas estão tendo acesso a isso. É muito importante isso que está acontecendo, para preencher esse vazio da grande mídia no Brasil na cobertura do que acontece em Gaza pelo viés dos palestinos”, acrescentou Magali.
A ingenuidade do ‘sionismo cristão’
Ainda, segundo a pesquisadora, a parcela de brasileiros religiosos que mostra apoio mútuo a Israel é tomada por um imaginário que chega a ser “ingênuo”.
“Há no mundo dos evangélicos um imaginário em torno de Israel, que alguns vão avaliar como uma parcela de um ‘sionismo cristão’, um abraço na ideologia sionista que defende Israel a todo custo. Mas muito desse imaginário se dá por uma compreensão histórica de que o Estado de Israel que nós temos hoje, lá no Oriente Médio, é o mesmo Israel citado na Bíblia, e isso não é um fato”, esclarece
“Há essa confusão que as pessoas transportam esse imaginário para Israel, que defendem incondicionalmente, até pela promessa de que quando os judeus ocupassem toda a terra teria então a segunda volta de Jesus, há essa teologia. Chega a ser uma ingenuidade essa compreensão”, completa Magali.
Assista a entrevista na íntegra a partir dos 35 minutos: