Publicado em Justificando –
O Justificando Entrevista dessa semana finaliza os #16diasdeativismo contra a violência à mulher com a filósofa Márcia Tiburi, que acaba de lançar seu livro “Como conversar com um fascista”, pela editora Record. Márcia fala sobre os impactos do fascismo na vida da população que, exposta àquilo que a mídia divulga e aquilo que dizem os políticos, aceita e incorpora o ódio para si, o sentimento mais atroz para a democracia.
Afinal, quem é o fascista que está entre nós?
Márcia afirma que, em seu livro, o fascista é um “tipo psicossocial caracterizado por uma forma de pensar autoritária”, que provoca “um tipo de ação autoritária sobre as outras pessoas”. No nível cotidiano, nas esferas institucionais do poder, o fascista é aquele que “espetaculariza” e faz uso das “piores e mais pérfidas formas de exercício do poder na negativa de negar o outro” para que seu Eu se beneficie de alguma forma.
O afeto do ódio, assim como afeto da inveja, basearam os regimes fascista italiano e nazismo alemão. São afetos transmitidos pela linguagem, em que o Outro se revela como o inimigo, como o indesejável para o sistema econômico e político – o Outro sendo aquele que não produz e, sobretudo, não consome.
Com isso, o Outro indesejável tem seu estereótipo reforçado o tempo inteiro por aquilo que Márcia chama de “consumismo da linguagem”, a hiperprodução de discursos, ao mesmo tempo em que a ação política e o viver político “no nível do cotidiano” estão enfraquecidos, situação que favorece a ascensão dos discursos fascistas – como o machismo.
“Se a mulher não se coloca a serviço, como um ser produtivo e consumível pela sensualidade e ideal de beleza que foram colocados em cima dela, ou pelo trabalho, ou na maternidade, ela não serve e a gente mata. Na base, é o procedimento de negar o Outro, partindo de um paradigma de ‘que sou o homem, eurocêntrico, o sujeito do princípio da identidade que pensa e determina o rumo dos acontecimentos na vida dos outros'”, afirma a filósofa.
Feminismo começa lavando a louça
Embora muitos homens dizem ser diferentes desse homem “eurocêntrico, que determina o rumo dos acontecimento da vida dos outros”, há hoje uma quebra daquilo que faz parte do âmbito da fala e dos atos cotidianos. Muitos clamam o protagonismo do movimento para si. “Mas, para o homem ser feminista”, esclarece Márcia, “precisa começar lavando a louça. O feminismo é a teoria, lavar a louça é a prática. Vai fazer aquilo que as mulheres fazem, vem se desconstruir”.
As ideias feministas têm sido amplamente manifestadas na internet, hoje meio de difusão de ideias muito diferentes da televisão. As campanhas #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto abriram espaço para que as vítimas expusessem algumas das violências que viveram. No entanto, Márcia acredita que a luta deve ultrapassar o âmbito da internet; o meio não deve ser “fim”. Do contrário, prosseguimos na hiperprodução de discursos e falhamos em nossos atos políticos.
“Na internet existe um mecanismo do oculto, a gente é um perfil, um avatar, as pessoas mentem e se fazem, simulam e dissimulam o tempo inteiro. É uma máscara. As vezes de um jeito muito cínico. Eu não achei ruim que as meninas tenham usado aquilo para denunciar algo que é estrutural. As vezes até criaram um personagem, inspiradas em seus pais, irmãos, amigos, namorados. Porque os homens, de fato, mesmo os mais legais, ainda fazem parte desse machismo estrutural”, diz.
Como convergir as diferenças?
Márcia Tiburi vê o diálogo como a forma de existir. O conhecimento, a política, a sociedade, são criados com o nosso ato de dialogar. “Ao mesmo tempo, em nossa sociedade, esses processos estão interrompidos por máquinas, objetos, por coisas. Essa relação de espelhamento entre nós está interrompida”. O fascismo é responsável por isso.
“Por isso que o livro é irônico. A gente não vai conversar com o fascista, ele é inabordável. Você pode notar que em um ambiente em que há uma pessoa com um nível de fascismo bem alto ninguém fala. O máximo que você consegue dizer é ‘é, mas temos que pensar isso e isso (…)’, e nada além disso. O convite é ao ódio. Qual é a arma sutil que a gente pode usar? O diálogo. Porque o diálogo sustenta a nossa subjetividade”, finaliza a filósofa.