Pouca gente prestou atenção nos “contrabandos” legislativos do projeto aprovado pelo Senado que, afrontando decisão do STF, instituiu o marco temporal.
Por Bepe Damasco, compartilhado de seu Blog
Mobilização indígena tende a crescer depois da aprovação do projeto que aniquila seus direitos – Foto: José Cruz/Agência Brasil
Entre outras barbaridades, os senadores, referendando, na íntegra, o texto vindo da Câmara dos Deputados, decidiram:
– Permitir o contato com os indígenas isolados, expondo-os a doenças.
– Retomar territórios demarcados, em casos de “aculturamento”, ou seja, quando, na visão dos governantes, os indígenas deixarem de viver como indígenas.
– Dispensar consulta prévia aos indígenas para construir rodovias, ferrovias, hidrelétricas e instalações militares.
– Vedar a ampliação das reservas impedindo a correção de injustiças cometidas no passado.
– Autorizar o garimpo e cultivo de transgênicos nas áreas demarcadas.
Na prática, o que pretendem os ruralistas e seus aliados reacionários no Congresso Nacional é o aniquilamento dos povos indígenas, privando-os dos direitos mais elementares.
Sem falar que representa um tiro no pé no agronegócio, pois a Europa e os Estados Unidos certamente relutarão em comprar produtos agrícolas de quem ataca populações originárias e, em consequência, degrada o meio ambiente.
É importante reproduzir o artigo 231 da Constituição da República, com base no qual o Supremo Tribunal Federal votou por acachapantes 9 x 2 a inconstitucionalidade da proposta que só permite demarcações em territórios ocupados pelos indígenas até a promulgação da Constituição, em outubro de 1988:
“As reservas são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”
Isto posto, parece claro que a estratégia da direita e da extrema-direita é ver o que consegue manter de pé no projeto depois do veto de Lula, já inclusive sinalizado pelo presidente, enquanto ganham tempo para tentar aprovar uma PEC e constitucionalizar a questão.
Isso porque o marco temporal via projeto de lei é frágil e certamente cairá quando for levado ao Supremo. Daí a aposta em uma PEC.
Mas, cabe lembrar que emplacá-la no Congresso não será propriamente um passeio no parque. Na votação do PL, nem na Câmara nem no Senado o mínimo de três quintos dos votos exigidos para a aprovação de uma emenda ao texto constitucional foi atingido: 283 votos a 155, na Câmara, e 43 votos a favor e 21 contra, no Senado.
O veto de Lula que virá, a forte mobilização dos indígenas, bem como a pressão da sociedade democrática, indicam que a luta que está longe de estar perdida.
Ainda estão rolando os dados.