Por Hélio Euclides Maré de Notícias, compartilhado de Projeto Colabora –
Parentes e amigos de vítimas da covid-19 em complexo de favelas na Zona Norte do Rio lembram as perdas e a dor
Um ano de pandemia trouxe resultados catastróficos no Brasil. Foram mais de 11 milhões de brasileiros infectados e mais de 270 mil mortes por covid-19. Para os que perderam seus familiares, um misto de dor, tristeza, saudade, raiva e perplexidade. “Gente merece existir em prosa”, diz Edson Pavoni, coordenador do Inumeráveis, um site-memorial que faz uma homenagem aos brasileiros que morreram por coronavírus. Até o dia 8 de março, foram 167 moradores da Maré (complexo de favelas na Zona Norte do Rio) que morreram de covid-19.
Raquel Casimiro perdeu familiares de duas gerações para a covid: o avô Isidorio do Espírito Santo, de 79 anos, e a mãe de consideração Angélica de Paula, de 31 anos. Ambos tinham comorbidades. “A morte do meu avô foi gradativa, ele já estava bem mal por causa da diabetes; foi para o médico e lá pegou covid e depois de uns dias veio a óbito”, diz Raquel ao lembrar que seu avô gostava de ir a igreja, mas pela diabetes, não conseguia mais participar dos cultos na Baixa do Sapateiro, uma das favelas da Maré.
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A mãe, Angélica, era moradora do Morro do Timbau e não conseguiu seguir com o sonho de trabalhar com pedagogia, curso que havia acabado de terminar. “Por mais que ela já tivesse doente, por conta dos rins parados e por isso fazia hemodiálise semanalmente, era uma mulher jovem e forte. Quando recebi a notícia do seu falecimento, fiquei sem acreditar, me bateu uma tristeza muito grande. Há uma saudade de um avô que tinha muita fé e de uma mãe e amiga que era extremamente generosa e divertida”, conclui Raquel.
Eliane Laia Oliveira lembra com carinho da prima Roberta Ferreira da Costa, de 45 anos, que deixou uma filha de 26 anos. Uma pessoa que vivia intensamente. “Morava na Maré desde quando nasceu. Uma mulher muito alto-astral, batalhadora, sempre trabalhou desde os 14 anos como costureira. Estava perto de se aposentar por tempo de serviço. Criou a filha sozinha, ao se separar com apenas 18 anos. Voltou para casa da mãe e quando comprou a casa própria no Parque União, a levou junto”.
Roberta estava triste e abalada com a morte da irmã, em abril de 2020, por diabetes e infecção pulmonar. Um dia chegou do velório e o outro foi para o hospital, ficando 22 dias e não voltando mais. Na tomografia, o diagnóstico do coronavírus. “Foi muito difícil para mim. Até hoje sinto muita saudade dela, me abalou muito, fomos criadas juntas, era como se fosse uma irmã para mim. Era muito divertida. Muita gente gostava dela, tinha muitas amizades. Passou por vários obstáculos na vida dela, mas superou todos. Saía muito com a filha, pois eram muito amigas”, comenta. Roberta resume que a prima era uma mãezona e uma filha maravilhosa.
Tatiara Fortunata do Valle se emociona ao falar da mãe, Ramilde Fortunata Maurício, que faria 77 anos. “Minha mãe morava em Itaboraí e todos os finais de semana eu subia para vê-la. Ela sofreu uma queda, quando fraturou o fêmur esquerdo. Dessa forma, a trouxe para a Nova Holanda, por ter mais recursos”.
Um dia, Ramilde começou com tosse e não ter apetite. Ela passou a ser assistida pela Conexão Saúde, projeto da Redes da Maré com outras organizações que oferece testagem, telemedicina e isolamento seguro com doações de cestas de alimentação e kit de limpeza. “O problema foi que no final do ano minha mãe levou outra queda onde fez um corte na testa. Eu e meu irmão a levamos para o hospital. Foi feito o teste da covid, que deu negativo. Também foi realizada uma tomografia devido ao tombo. Ela ficou oito dias no CTI não covid. No oitavo dia, recebemos a ligação informando que o novo teste de covid tinha dado positivo e que ela tinha falecido. Era uma pessoa forte, guerreira e batalhadora”, conta Tatiara. Ramilde deixou cinco filhos, sete netos e quatro bisnetos.
Ariolando Pereira, mais conhecido como Ary da Maré, de 52 anos, faleceu no final de 2020. Foi um líder comunitário popular no território e articulador da Light na Maré e morreu por uma parada cardíaca, com suspeita de covid. “Meu pai me ensinou tudo que pode. Para a família ele sempre vai existir em nossos corações”, diz Leonardo da Costa Pereira, um dos quatro filhos de Ary, que também deixou quatro netos.
Ary concorreu à vice-presidência da Associação de Moradores da Nova Holanda e se candidatou a Deputado Estadual pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) em 2018. “Era uma pessoa que não tinha limites, quando queria algo conseguia. Uma pessoa que faz muita falta. Ninguém vai chegar perto de tudo que ele fez pela Maré. Era um cara que não tinha hora para ajudar as pessoas. Olhava muito para os moradores, às vezes, esquecia de cuidar dele mesmo. Pensava sempre nas pessoas que precisavam deles. Ao andar pelas ruas falava com todos, quem conheceu meu pai sabe disso”, lembra com saudades o filho Leonardo.
Nívia Chavier lembra de sua tia com afeto, moradora do Parque Maré, Joaquina Lopes Rodrigues. Mais conhecida como Tia Quênia, estava na faixa dos 70 anos, e apesar dos sintomas, no início da pandemia, não conseguiu realizar o exame para confirmar a covid. Com medo do preconceito, alguns familiares negam a suspeita. “Era uma pessoa que fazia de tudo, em todos os aspectos. Trabalhou como doméstica para pagar a escola dos filhos. Lembro dela deixar sempre a casa limpa. Hoje, o marido arruma a casa como se estivesse esperando por ela”. Joaquina deixou uma filha e o marido.
Thayná Lacerda, moradora da Nova Holanda, ainda chora pela morte de seu primo Paulo Sérgio dos Santos, de 42 anos, que faleceu no dia 1º de março deste ano. “Primeiro ele pegou um resfriado, se sentiu mal e foi para o hospital. Lá o médico fez os procedimentos injetando coagulantes na barriga e injeção de antibióticos. No outro dia, o quadro piorou e de Itaboraí, foi transferido para o Rio de Janeiro, com 50% do pulmão comprometido e ficou recebendo oxigênio. Ocorreu uma melhora, voltou a se alimentar mais teve uma recaída e ficou com 75% do pulmão comprometido, foi para intubação com parada cardíaca e não suportou. Era um cara muito alegre e onde chegava era festa e sorrisos. Estávamos sempre juntos, em confraternizando em família. Está sendo muito difícil entender porque isso aconteceu, por ser uma pessoa que tinha tanta vontade de viver”. Paulo deixou a esposa e um casal de filhos.