Por Liana Melo, publicado em Projeto Colabora –
Lama tóxica da Samarco afeta saúde da população de Barra Longa. Moradores relatam problemas respiratórios e de pele, além de transtornos mentais
Novembro de 2015. Já haviam se passado algumas horas desde que a barragem do Fundão da Samarco rompera em Mariana (MG). Os moradores de Barra Longa ainda não haviam sido atingidos pela lama tóxica, enquanto os de Bento Rodrigues já haviam perdido absolutamente tudo – em poucos minutos, o lugarejo sumiu do mapa, virando ícone da maior tragédia socioambiental do país. Mas é na cidade vizinha, distante pouco menos de 70 quilômetros do epicentro do rompimento da barragem, que o acidente continua fazendo suas vítimas. Um ano, cinco meses e 30 dias depois da tragédia de Mariana, os impactos na saúde da população de Barra Longa crescem, à medida que a data do desastre (5/11) fica para trás. Por não terem sido evacuados, seus moradores continuaram lá, vivendo e respirando pó proveniente da lama seca, exacerbado pelas obras de reconstrução da cidade.
Os problemas respiratórios viraram recorrentes, passando a ser relatados por 40% da população de Barra Longa – entre as crianças de até 13 anos, as queixas atingiram 60% delas. As afecções de pele apareceram em 15,8% dos moradores e 11% da população ficaram com transtornos mentais e comportamentais. O derramamento dos rejeitos provocou impactos na saúde, que vão de doenças infecciosas (que atingiram 6,8% das pessoas de Barra Longa) a problemas gástricos e intestinais, que vitimaram 3,1% dos moradores locais. Foram relatados ainda 31 casos (6,6%) de Dengue, apenas na área urbana.
“Em Bento Rodrigues, onde a lama destruiu tudo, não se mexeu mais, e ninguém ficou por lá para ser afetado. Em Barra Longa, o pó da lama seca chegou aos quarteirões mais altos em função do trânsito de veículos e da própria reconstrução da cidade, atingindo todo mundo”, explica a médica e diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS), Evangelina Vormmitag, coordenadora do estudo “Avaliação em Saúde da População afetada pelo Desastre de Mariana”.
A pesquisa faz parte de um conjunto de cinco levantamentos científicos patrocinados pelo Greenpeace, via doações captadas por artistas em shows promovidos pelo coletivo Rio de Gente, criado logo após o acidente. Os autores são pesquisadores independentes de universidades brasileiras.
Cauda longa
Se, num primeiro momento, Bento Rodrigues foi engolida pela lama, obrigando seus moradores a deixarem suas vidas e bens para trás; Barra Longa foi poupada da avalanche de 50 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeito de minério que vazaram do Fundão – volume suficiente para encher 20 mil piscinas olímpicas. O minério se espalhou pela bacia do Rio Doce e atingiu 39 municípios ao longo de Minas Gerais e Espírito Santo, totalizando 663,2 km de corpos hídricos diretamente impactados, custando 19 vítimas fatais e 11 toneladas de peixes mortos.
A principal atividade econômica de Barra Longa é a agropecuária, o que faz com que parte significativa dos moradores tenha contato constante com o ambiente para cultivo de plantações e a criação de animais. Não à toa, 61% deles afirmaram estarem expostos à alguma fonte de contaminação próxima a sua moradia. Apesar dos dados alarmantes captados pelo estudo, são escassas as informações públicas de saúde desde o desastre. “Não existe levantamento de dados do SUS, o que, no futuro, pode dificultar em muito a identificação de determinadas doenças com o desastre de Mariana”, comenta Evangelina, identificando diferentes tipos de câncer. “Os dados da saúde encontrados espelham o sofrimento da população a multivariadas queixas e doenças e que a sua saúde está comprometida e de diversas formas”, conclui.
Água contaminada
Outro estudo, também patrocinado pelo Greenpeace e o coletivo Rio de Gente, concluiu que a enxurrada de lama que atingiu o Rio Doce chegou a água subterrânea. Presença de metais pesados, que prejudicam o desenvolvimento de plantações e entram na cadeia alimentar – o que, a longo prazo, oferece risco à saúde da população -, foram detectados na pesquisa “Contaminação por metais pesados na água utilizada por agricultores familiares na Região do Rio Doce”, coordenado pelo professor João Paulo Machado Torres, do Instituto de Biofísica da UFRJ.
O levantamento foi feito em três regiões distintas da bacia do Rio Doce: em duas cidades mineiras, Belo Oriente e Governador Valadares, e no Espírito Santo, em Colatina, na parte sul do Rio Doce, a cerca de 427 km de Mariana. “O quadro dessa tragédia deixa uma cicatriz. As questões de água e saneamento precisam ser levadas a sério. Será que essas pessoas não se envergonham do que fizeram?”, questiona o coordenador do estudo, João Paulo Machado Torres.
Os metais pesados encontrados na água subterrânea pelos pesquisados da UFRJ não vão deixar de ser metais. E, muito menos, sofrer um processo de diluição nas águas do Rio Doce. A cada chuva, mais desses contaminantes que estão acumulados nas margens vão parar nas águas. “A contaminação por metais pesados pode ter consequências futuras graves para as populações do entorno, que necessitam de suporte e apoio pós-desastre. Isso deve ser arcado pela empresa e monitorado pelo governo brasileiro”, concluiu Fabiana Alves, da Campanha de Água do Greenpeace Brasil.
Mariana virou sinônimo de traumas e mortes. O custo humano do desastre continua sendo menosprezado e, o pior, ainda não foi totalmente contabilizado. É, portanto, uma tragédia ainda em curso.