Mariella: um cadáver errado numa hora e num lugar errados

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Enio Squef, jornalista, Facebook

É fácil inferir da morte da vereadora Mariella Franco, do Rio, e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, que foram mortes de que o golpe não precisava para se mostrar o que é. Mas não é tão fácil assim assinar qualquer conclusão: as milícias ou os assassinos do Brasil, aqueles que matam em qualquer lugar a qualquer hora, têm o território todo do Brasil para assassinar. E contam com a impunidade endêmica da polícia, do Estado, e do País.




Os blogues de direita logo assacaram que a bela moça, lésbica assumida “pediu”para ser morta. Era “machorra”, como dizem os bolosonaristas e ainda se preocupava, ou melhor, se ocupava com os “direitos humanos”- que a mesma turma considera “direito dos bandidos”.

Há uma lógica naturalmente cruel na conclusão. Assim como os norte-americanos com seus bombardeios no Vietnã contavam os mortos – mães de família, velhos e crianças, como “guerrilheiros vietcongues”, no Rio , em São Paulo, no Brasil todo, os mortos assassinados, se forem pobres. são sempre “bandidos”. Isso é mais que sabido. E já bem antes do golpe.

Todos os PMs que promoveram o morticínio no Carandiru, foram absolvidos. Não foi o golpe que nos fez e faz um dos campeões mundiais da violência com suas mais de 61 mil mortes violentas apenas no ano passado. Só que a morte, o assassínio de Marielle, repôs a coisa em seu devido lugar: a moça trucidada com seu motorista era tudo o que os coxinhas, co-responsáveis pelo golpe, queriam verem eliminados do país. Primeiro era mulher e negra. Quem senão a comunistada do PT e dos partidos de esquerda, se importam com os negros? E com as lésbicas? E com os homossexuais, em suma?

É aqui que o golpe se desnuda. O governo golpista, os militares que atacam e perseguem os favelados e pobres não primam por qualquer respeito a qualquer brasileiro. No fundo, Marielle tinha de ser morta. Não bastava ser negra – e bonita. Era lésbica. E detinha um mandato de vereadora.

Ora, se não é fácil inferir que o golpe a assassinou, não é difícil também aceitar que para o sistema que temos (governo, justiça, forças armadas, tudo isso) a morte da vereadora poderia não ter tido a repercussão que teve.

Vi um blogueiro de direita dizer que no mesmo dia, um empresário foi assaltado e morto na frente do filho de cinco anos. E que seu nome não apareceu nas manchetes. Mariella, “portanto”não mereceria o estardalhaço que sua morte provocou, inclusive no mundo.

Acho que foi isso que assustou o sistema, De repente, espontaneamente, eis-nos todos nas ruas a clamar por justiça, ou antes, pelo fim das impunidades.

A História é assustadoramente criteriosa com os assassínios: fosse Marielle uma moça simplesmente bonita, e simplesmente homossexual, talvez os jornais nem noticiassem sua morte. Mas era vereadora, representava a sofrida – e não raro a mais escravizada comunidade brasileira – a negra. E era também homossexual – uma “persona”odiada por nossa odienta direita.

Reclamaram que Bolsonaro não disse nada a respeito. No íntimo, ele e seus seguidores, quem sabe num contexto menos traumático ( e assustador), se regozijassem. Em suma: faltava um cadáver, não qualquer um, que isso o Brasil já há anos produz às escâncaras, sem qualquer escândalo público – mas um cadáver especial – de uma jovem dedicada a brigar pelos seus – os mais sofridos de seu país. Só que desde uma tribuna de vereadora. E do Rio. Os jornalões tremem. O golpe treme. Os militares tremem.

A História é cruelmente seletiva. Deu-se que aconteceu um crime tão brutal como muitos outros. Mas o cadáver não poderia ser mais errado e perigoso. Não foi e não está sendo.

 

foto: Midianinja

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