Marina Silva quando senadora: liberar transgênicos é “canoa furada” para garantir “lucro imediato de meia dúzia”

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POLÍTICA

“Há uma lenda de que eu sou contra os transgênicos, mas isso não é verdade”.
Marina Silva no Jornal Nacional, terça-feira, 28 de agosto de 2014

A personagem que Marina Silva tenta compor no presente momento, em que disputa a presidência da República pelo PSB, não se sustenta a uma simples pesquisa nos arquivos do Senado Federal.

Enquanto exerceu o mandato de senadora pelo PT do Acre, Marina usou a tribuna da Câmara Alta para expressar as posições do movimento ambientalista e de setores da sociedade que enfrentam o modelo do agronegócio baseado no latifúndio e na monocultura – modelo que, hoje, parece não ser nenhum problema muito grave para a candidata do PSB, que avalia que “apenas uma parte” do agronegócio constitui ameaça ao meio ambiente.




Marina Silva no Senado

Em março de 2002, Marina fez um pronunciamento (clique aqui) em que citou seis vezes, sempre de forma crítica, a Monsanto, maior multinacional do comércio dos organismos geneticamente modificados (OGM), os chamados transgênicos. Naquele momento, a senadora defendia a proibição, chamada de “moratória”, do plantio de transgênicos no Brasil. O seu atual companheiro de chapa, Beto Albuquerque, era um dos maiores defensores da Monsanto na Câmara dos Deputados. Para Marina Silva, o Brasil poderia ser “a alternativa não-transgênica” no cenário agrícola internacional. Ela também criticava os setores empresariais que tinham a soja transgênica como “panaceia” para a exportação e afirmava que predominava no Brasil “a antiga visão do colonizado, que abaixa a cabeça na frente do colonizador”. Confira [destaques meus]:

Se já temos um mercado que está completamente contaminado pelos transgênicos – no caso da Argentina, a produção é de 100%; e dos Estados Unidos, do Canadá e da China são altamente elevadas –, o Brasil seria a alternativa não-transgênica que poderia ocupar tranquilamente aqueles campos que hoje, em termos de mercado, estão dispostos a declarar a moratória em relação aos transgênicos – no caso, o Mercado Comum Europeu e, parece-me, o Japão. Se contaminarmos a nossa produção de grãos, sobretudo a soja, estaremos perdendo essa oportunidade. Não me causa nenhum tipo de estranhamento que a Monsanto esteja tão ansiosa por essa liberação. O que me causa certo estranhamento é a posição do Governo brasileiro de não pensar, estrategicamente, no interesse de nosso País. O que me causa mais espanto ainda é o fato de a classe empresarial, sobretudo os produtores de soja, também não ficar atenta a esse aspecto e falar da soja transgênica como se ela fosse a panaceia para os nossos problemas de produção de grãos para exportação. Na verdade, poderíamos apropriar-nos desse diferencial de qualidade para competir com aqueles que já não têm essa possibilidade, como os Estados Unidos, o Canadá, a China e a Argentina.  Temos a antiga visão do colonizado, que abaixa a cabeça na frente do colonizador e, mesmo quando sabe que algo não dará certo, é obrigado a fazer isso somente para prestar um serviço ao senhor. Com todo respeito àqueles que defendem no Congresso Nacional a soja transgênica, faço este registro, porque, muitas vezes, somos rotulados de atrasados e acusados de não querermos que o País se desenvolva (…)”.

No discurso, a hoje candidata à presidência usou até trechos de um artigo de Eduardo Galeano para atacar a indústria agroquímica. E não deixa de tocar na esfera religiosa, que, como se sabe, está intimamente enraizada no seu pensamento.

“O admirável pensador uruguaio Eduardo Galeano reflete com genialidade sobre esse conflito globalizado pela indústria biotecnológica em um artigo publicado em novembro passado, intitulado: Quatro Frases que Fazem Crescer o Nariz de Pinóquio.

Os gigantes da Indústria Química (assim como os seus aliados, agentes governamentais e financeiros) fazem sua publicidade e lavam a sua imagem repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e colorindo de verde os seus préstimos. (…) São todos ecologistas até que alguma concreta tenta limitar a liberdade de contaminação”. Quando isso ocorre, “(…) as empresas que envenenam o ar e apodrecem as águas arrancam subitamente suas recém-adquiridas máscaras verdes e gritam: “Os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotar o desenvolvimento econômico e a espantar o investimento estrangeiro.

(…) 20% da humanidade comete 80% das agressões à natureza, enquanto a humanidade inteira paga pela conseqüente degradação da terra, a intoxicação do ar, o envenenamento da água, o enlouquecimento do clima e a dilapidação dos recursos naturais não renováveis.” 
“Porém, os governos dos países do sul que prometem o ingresso para o primeiro mundo como mágico passaporte que nos fará a todos ricos e felizes, (…) sobretudo estão cometendo o delito da apologia ao crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza é o que nos está adoecendo o corpo, nos está envenenando a alma e nos está deixando sem mundo.

É o que diz esse brilhante pensador, neste artigo. “Quatro frases que fazem crescer o nariz de Pinochio” fez uma abordagem muito interessante. Inclusive o Galeano, em seu artigo, faz uma referência dizendo que a “natureza está fora de nós”, fora dos seres humanos, ou seja, algo que nos é externo. Isso é muito interessante mesmo para uma reflexão do ponto de vista teológico”.

O final do discurso contrasta fortemente as posições hoje expressadas por Marina Silva.

Apenas ressalto que o Congresso Nacional não pode embarcar nessa “canoa furada”, acreditando que aprovar sem nenhum cuidado a liberação dos transgênicos é dar uma grande contribuição ao desenvolvimento econômico, à ciência, ao combate à fome e à pobreza. Essa medida pode ser adequada ao lucro imediato de meia dúzia de pessoas que gostariam muito dessa conseqüência, talvez sacrificando,como sempre digo, recursos de milhares de anos em prol dos lucros de apenas cinco ou dez anos“.

Quem vê Marina Silva na campanha atual, constata que ela mudou tanto quanto o Brasil nos últimos doze anos. No caso do País, as mudanças trouxeram avanços. No caso da postulante ao cargo mais alto da República, o retrocesso é visível e lastimável.

Marina Silva no Senado em 2002

Clique no link abaixo para conferir a íntegra do discurso da senadora Marina Silva em 11 de março de 2002:

http://www.senado.gov.br/atividade/pronunciamento/detTexto.asp?t=322883

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