Por Anisio Vieira, bibliófilo
A genialidade literária não imuniza contra a estupidez política. Fernando Pessoa, arquiteto de heterônimos e da modernidade poética, assinou panfletos a favor do salazarismo — regime que enfaixou Portugal em silêncio. Sua obra, porém, voou além do autoritário: desconstruiu certezas, celebrou o múltiplo. Jorge Luis Borges, mestre dos labirintos verbais, achou “uma gracinha” a ditadura de Pinochet (que torturou e desapareceu milhares) e chamou Fidel Castro de “pesadelo”. Seus contos, no entanto, desafiaram dogmatismos, embaralhando realidade e ficção como crítica à tirania da linearidade.
Mario Vargas Llosa, Nobel de literatura, morto ontem, aos 89 anos, esculpiu romances monumentais sobre a corrosão do poder, enquanto na vida real beijava as mãos de elites neoliberais e até fascistas e apoiava intervenções imperialistas — traindo, na política, os fantasmas libertários de suas próprias páginas.
A contradição é um abismo: como mentes capazes de sondar a complexidade humana no texto sucumbem ao reducionismo reacionário na vida pública? Talvez a literatura seja seu refúgio ético, onde corrigem, na ficção, os erros que cometem na história.
Ou talvez sejam espelhos partidos: mesmo gênios carregam lascas da mediocridade de seu tempo. A arte que nos salva não redime quem a cria — apenas nos lembra que até os deuses literários têm pés de barro… e às vezes, de lama.

A candidata à Presidência do Peru Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, recebeu para o 2º turno o apoio do escritor Mario Vargas Llosa em 2021.
Foto da capa do post: Sarah Meyssonnyer