Médicos britânicos pedem ao governo para salvar sistema público de saúde

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Por Maria Luísa Cavalcanti, correspondente da RFI em Londres, publicado em As Vozes do Mundo – 

Em meio à crise política iniciada pela saída do Reino Unido da União Europeia, os britânicos enfrentam outra crise grave em um dos pilares do país: o NHS, o sistema público de saúde. Hospitais lotados, pacientes sendo atendidos nos corredores e a ameaça de que o serviço, que é totalmente gratuito, passe a ser cobrado, dominam o noticiário e colocam ainda mais pressão sobre o governo da primeira-ministra Theresa May.

O sistema público de saúde do Reino Unido é tido como um motivo de orgulho para os britânicos e serve como modelo para os serviços de saúde de vários países, inclusive o SUS, no Brasil.  Não é de hoje que se fala na crise do NHS, como é conhecido em inglês o sistema público de saúde britânico. Mas os problemas se agravaram nos últimos anos. O orçamento do NHS no ano passado foi algo em torno dos US$ 175 bilhões – dez vezes maior do que era quando o NHS foi criado, no fim dos anos 40.

Isso representa quase 30% dos gastos públicos do governo. Apesar disso, quando os conservadores assumiram o poder, em 2010, eles praticamente congelaram o orçamento do sistema de saúde em algumas partes do país. Em outras, o aumento médio do orçamento nesses últimos sete anos foi de apenas 1% ao ano. Para efeito de comparação, nos anos do governo trabalhista de Tony Blair e Gordon Brown, o orçamento do NHS aumentava em média 7% ao ano.




O Reino Unido dedica quase 10% do seu PIB para os serviços de saúde, menos do que a França e a Alemanha e do que a média dos países da União Europeia. Segundo o Instituto para Estudos Fiscais, uma organização independente que avalia a taxação e as políticas públicas do Reino Unido, esse congelamento do orçamento do NHS não está sendo suficiente para acompanhar os gastos provocados pelo envelhecimento da população.

Assim como em outros países desenvolvidos, os britânicos estão vivendo mais, mas há uma incidência muito maior de doenças crônicas, como diabetes, os problemas cardíacos e a demência, por exemplo. Além disso, o simples fato de estarmos no inverno já aumenta a pressão sobre o sistema, pois há mais pessoas doentes, principalmente aquelas em situação vulnerável.

Sinais da crise

O noticiário está repleto de histórias de pessoas sendo atendidas nos corredores dos hospitais, inclusive com relatos de pacientes que morreram esperando por atendimento de emergência. Hoje há 30% mais pacientes usando os serviços de emergência do que há 12 anos. Os números mostram que, nos últimos meses, aumentou o número de pessoas que estão tendo de esperar mais de quatro horas para serem atendidas na emergência dos hospitais.

Além disso, o tempo de espera para o atendimento em consultas de rotina também cresceu, assim como a espera para tratamentos especializados como terapias e cirurgias agendadas, mesmo em casos de câncer e outras doenças graves. Outro sinal visível é um impasse entre o governo e os médicos mais jovens do NHS, que compõem 30% da força de trabalho do sistema de saúde e normalmente atuam nos hospitais.

Crise humanitária

O governo quer mudar os contratos e as condições de trabalho desses médicos. Houve uma série de greves no último ano, que não conseguiram fazer com que os dois lados chegassem a um acordo. A Comissão de Qualidade da Atenção ao Cidadão, que é um organismo público ligado ao Ministério da Saúde, afirmou, em outubro, que o NHS chegou a seu ponto máximo de saturação, o que significa que os padrões devem começar a se deteriorar daqui para a frente.

Outro aspecto que ilustra bem a gravidade dessa crise foi o fato de o diretor da Cruz Vermelha Britânica ter afirmado, no mês passado, que o NHS está enfrentando uma verdadeira crise humanitária. Segundo ele, a entidade teve de enviar médicos e enfermeiros voluntários para vários hospitais do país e pedir apoio de veículos comuns para fazer as vezes de ambulância, algo que só ocorre em países que atravessam catástrofes ou conflitos armados.

Médicos entregam carta a premiê

Em janeiro, o ministro das Finanças, Philip Hammond, admitiu em uma entrevista que o governo não tem dinheiro extra para cobrir os gastos com o NHS. Nesta quinta-feira, um grupo de 2 mil médicos em nível sênior dentro do sistema entregam uma carta à primeira-ministra, Theresa May, fazendo um apelo para que o governo aumente o orçamento destinado à saúde.

Os médicos dizem estar “apagando incêndios” diariamente, sem poder oferecer aos pacientes os cuidados ideais. O diretor do principal sindicato de médicos do Reino Unido disse que Theresa May não pode continuar “enfiando a cabeça na areia” e que o governo precisa urgentemente pensar em como financiar o sistema a longo prazo. O Partido Conservador já vem há tempos cogitando a ideia de começar a cobrar por alguns serviços do NHS, algo que boa parte da população rejeita veementemente. Mas uma pesquisa divulgada esta semana mostrou que praticamente metade dos britânicos aceitaria um aumento de impostos para ajudar a financiar o NHS.

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