Por Paul Faria, jornalista, morador em Londres –
Leiam aqui depoimento do jornalista brasileiro Paulo Faria, morador em Londres, esteve na Itália no início das medidas governamentais. Paulo lamenta que no Reino Unido as medidas tomadas pelos governantes são ínfimas em relação à Itália, mesmo com este países tendo tomado medidas com atraso.
A Itália tomou as medidas corretas, mas com um mês e meio de atraso. Deveriam ter decretado completo isolamento e bloqueio da Lombardia assim que os primeiros casos foram detectados na região, epicentro da pandemia aqui na Europa. A história nos ensina que a maneira mais eficiente de se frear uma epidemia depende de duas coisas relativamente simples: diagnosticar o mais cedo possível e agir de imediato. Obviamente não foi isso que fizeram.
Também erraram feio no que diz respeito às estratégias de informação e conscientização. Por exemplo, estávamos com viagem de férias agendadas para Nápoles desde novembro do ano passado, bem antes do vírus começar a matar gente na China. Quando as primeiras mortes começaram a aparecer na região de Bergamo, já em fevereiro, tanto o governo italiano quanto as autoridades de outros países afirmavam categoricamente que o sul da Itália – e naturalmente o resto da Europa – estavam fora da área de risco.
O próprio Ministério das Relações Exteriores britânico sequer impediu que britânicos viajassem para a Lombardia quando a situação por lá já tinha saído de controle. Eles apenas desaconselhavam viajar desnecessariamente. Ou seja, a Itália não errou sozinha nessa história.
Se os governos tivessem sido mais honestos quanto à letalidade deste vírus e a facilidade com que ele se espalha, não teríamos embarcado para Nápoles no dia 7 de março. Mas fomos, e encontramos uma cidade normal quando desembarcamos. A Itália hospitaleira, alegre e barulhenta de sempre.
No dia seguinte à noite – 8 de março – o governo italiano anunciou uma série de medidas restritivas. E já no outro dia a atmosfera era outra. Acordamos em uma cidade visivelmente tensa. O medo estava estampado na cara das pessoas, uma sensação de pânico e ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo.
Todos os museus, galerias, sites arqueológicos, castelos, parques públicos etc fechados. Hotéis e restaurantes fechando, mesmo sem nenhum caso confirmado na cidade. Já não dava mais pra ficar por lá e, três dias após nosso desembarque pegamos o vôo de volta pra casa. O aeroporto estava cheio de turista deixando o país, todo mundo com o olhar triste e preocupado.
Nosso vôo pra Londres estava lotado. Pra minha surpresa, não exigiram nada de nós nem pra sair da Itália, nem para regressar para o Reino Unido. Nenhum teste, exame, declaração por escrito, nada. Só cartazes no aeroporto de Londres recomendando isolamento voluntário para quem estivesse voltando da Itália.
Ou seja, a Itália errou? Sim, sem dúvida. Mas não tem um país aqui na Europa que não tenha feito igual ou até pior do que eles. Até esses dias mesmo o demente do Boris Johnson estava apostando na estratégia de imunidade de grupo, que é deixar o vírus espalhar e matar os mais vulneráveis até que a sociedade como um todo se torne auto-imune.
Na quinta-feira, 19 de março, saí de casa e peguei o metrô pela primeira vez desde que voltamos de Nápoles, pois tive que buscar material de trabalho no escritório para poder trabalhar de casa. Fiquei assustadíssimo com o que vi: ruas cheias, pubs, cafés, escolas e restaurantes abertos.
Um misto de descaso com falta de conscientização, enquanto o governo repetia incessantemente que um bloqueio mais rígido não era opção viável.
Detalhe: o Reino Unido tem ainda menos leitos hospitalares do que a Itália. São 2.5 leitos aqui para cada 1.000 habitantes, enquanto a Itália tem 3.2 leitos.
Já está faltando comida nos supermercados. A gente compra o que encontra, quando encontra. Já não dá mais pra escolher o que pôr no carrinho. A gente torce para que isso seja só uma reação inicial ao pânico e que pelo menos essa questão do abastecimento se normalize em breve. Mas ao mesmo tempo a gente se prepara para o pior e tenho a impressão que vamos testemunhar um massacre.